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Economia e Saúde Mental em Pauta​

Você daria um cheque em branco para o Governo?

24/10/2018

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Uma boa parte das pessoas, talvez, respondesse, prontamente, que não daria um cheque em branco para o governo. Mas, todos os meses, temos nossos rendimentos descontados para o pagamento de tributos que compõem parte dos recursos do país. 

Recursos são escassos e precisam ser bem utilizados! Este é pilar da Economia: a escolha de como usar os recursos escassos. Mas, esta escolha depende de valores e de preferências. Uma sociedade, comunidade ou país precisam decidir como usar estes recursos de modo a beneficiar o maior número de pessoas e suprir suas necessidades. Um gestor, um "tomador de decisão" (decision-makers), um governante tem o papel de representar a sociedade nas escolhas do uso dos recursos levando em conta as necessidades da população. 

Mas, ter um representante para realizar uma escolha não significa assinar um cheque em branco, a menos que a população não participe e não fiscalize como estas escolhas são feitas, quais as suas consequências e se estão de acordo com o objetivo principal, que no caso do SUS, é o de promover a saúde do cidadão. É importante entender que esta relação governante-sociedade não pode ser de mão-única, isto é, a participação da sociedade e o entendimento de como as escolhas são feitas são fundamentais para a eficiência de um sistema de saúde.

A incorporação de novos tratamento es tecnologias não pode ser infinita e pautada no desejo ilimitado da sociedade. Podemos querer tudo, mas não podemos pagar por tudo! Uma vez que os recursos são finitos, as escolhas precisam ser racionais tanto na incorporação de novos tratamentos quanto na exclusão de outros. Não é uma tarefa fácil!

Se os recursos são desperdiçados, o "seu cheque em branco" oriundo de seu trabalho mensal, também, foi mal utilizado e não atendeu as necessidades de muitas pessoas, inclusive as suas! 

Mas, como as preferências da sociedade são consideradas na Economia da Saúde?

Há vários métodos, mas eu vou me ater aqui nas técnicas específicas para medir o ganho de saúde (QALY) que eu conceituei no post de agosto de 2018. Dentre as várias técnicas, destacam-se o "standard gamble" e o "time trade-off".

No caso do "standard gamble", descreve-se o cenário de um estado de doença por exemplo, e pergunta-se para o indivíduo se ele está disposto a arriscar sua vida para ficar curado com um tratamento X. Este risco vai sendo alterado de acordo com a preferência, 10%, 20% de chance de morrer contra 80% de chance de ser curado, até que não seja mais possível fazer a escolha entre os dois. Este valor corresponde o valor da preferência e vai ser utilizado para calcular o QALY, ou o valor do ganho em saúde. 

No caso do "time trade off", descreve-se o mesmo cenário e pergunta-se se o indivíduo está disposto a trocar anos de vida por uma cura com um tratamento X. Por exemplo, se o indivíduo prefere viver o restante de sua vida em um estado de doença ou viver 2 anos , 3 anos, .... a menos e ser curado pelo tal tratamento. Aqui a noção de risco não está presente como no caso anterior.

Obviamente, estes resultados variam de acordo com a técnica, população, descrição de cenário e outros fatores. Mas, dependendo que como esse valor foi obtido, isso vai interferir na medida do QALY de um tratamento. Isto significa, que quando um gestor escolher um tratamento que gera mais QALY (mais saúde), dependendo do método utilizado os valores podem ser diferentes, o que pode interferir nas escolhas!

A pergunta central é o que é relevante para a sociedade? Viver mais? Ter mais qualidade de vida? Ter mais bem-estar? Diminuir o sofrimento?

Podemos ou não preferir satisfazer todas estas questões, porém, o ganho de saúde (QALY) obtido em cada situação não será o mesmo e isto implica em se priorizar uma ou outra situação. Em geral, isto não está claro para a população, principalmente, quando temos um sistema de saúde de cobertura universal, uma constituição igualitária e de princípios do SUS de equidade e integralidade na saúde.

Há estudos internacionais mostrando as preferências da sociedade em relação às prioridades de saúde em políticas públicas. Um estudo holandês, Reckers_Droog et al (2018), por exemplo, mostrou que a população preferia que a prioridade em saúde fosse para qualidade de vida em relação ao prolongamento da expectativa de vida; maximizar o ganho em saúde ao invés de limitar a desigualdade; de tratar, prioritariamente, as crianças em relação ao idosos; acesso igualitário aos serviços de saúde em relação à restrição de acesso, dentre outras. E no Brasil, como seriam estas preferências?

Um estudo realizado em Diadema (São Paulo) Fortes et al. (2002) mostrou, também, que parentes de pacientes hospitalizados tinham preferências quanto a tratar os mais jovens em relação aos mais idosos, a tratar mais mulheres do que homens, a tratar as mães com maior número de filhos e a tratar uma pessoa com hepatite viral do que com problemas hepáticos decorrentes do álcool.

O que podemos notar nestes estudos é que a sociedade expressa seus desejos, valores, preconceitos e necessidades, que nem sempre facilitam a tarefa do gestor no delineamento das prioridades. 

O grande desafio está em buscar um balanço entre o que a sociedade deseja, o que é necessário do ponto de vista de saúde pública (dados epidemiológicos) e de direitos do cidadão e o que é possível em termos de recursos disponíveis. A Economia da Saúde pode prover dados para auxiliar nesta equação, mas não tem a resposta completa para todos estes desafios. 

A pergunta que eu deixo para o leitor: Se você pudesse gerir todos os recursos destinados à Saúde, quais seriam as suas prioridades? O que seria um SUS justo e eficiente na sua opinião?

Leitura

 Reckers-Droog V,  Exel J, Brouwer W . Who should receive treatment? An empirical enquiry into the relationship between societal views and preferences concerning healthcare priority setting. Plos One 2018, https://doi.org/10.1371/journal.pone.0198761

Fortes, PAC et al.  A study on the ethics of microallocation of scarce resources in health care. Journal of Medical Ethics 2002 http://dx.doi.org/10.1136/jme.28.4.266


 

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    Prof Dra Denise Razzouk

    Psiquiatra e professora universitária, com pós-doutorado em Economia da Saúde Mental. 

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