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Economia e Saúde Mental em Pauta​

Padrão mínimo de qualidade de assistência à saúde: uma questão de equidade ou de eficiência?

10/1/2018

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As questões relacionadas à cobertura e qualidade dos serviços de saúde são polêmicas e de longa data, mas, foi o prêmio Nobel de Economia, Keneth Arrow, em 1963, quem primeiro demonstrou que a saúde não poderia ser tratada como uma commodity, regida pelas leis de auto-regulação do mercado livre. Seu artigo "Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care" foi um marco no nascimento da Economia de Saúde. A lei da oferta e demanda, na qual o preço de um produto varia com a demanda, se baseia no fato de que o mercado tem um processo de auto-regulação, isto é, há um equilíbrio entre o que o consumidor está disposto a pagar e a que preço ele é operado no mercado.

O argumento de Keneth Arrow era de que havia uma assimetria de informação e uma incerteza nos resultados (desfechos) na área da saúde. A assimetria de informação se refere à parcial ou total ignorância do consumidor em relação ao produto ou serviço, levando a uma relação assimétrica entre o prestador de serviço (tem conhecimento sobre o serviço) e o consumidor. Enfatizava, também, que o consumidor não podia fazer uma escolha racional entre os tratamentos e serviços. No caso da Saúde, o indivíduo não sabe avaliar o tratamento que ele necessita, como e qual o tratamento ele deve receber e nem qual será o desfecho. Este cenário configura o que se chama de falha no mercado, onde a auto-regulação não acontece. Arrow enfatizava que esta assimetria de informação poderia contribuir para que o paciente fosse facilmente “enganado” pelo prestador de serviço.

A escolha de um serviço de saúde ou de um profissional de saúde pelo consumidor é influenciada por vários fatores que não estão, necessariamente, ligados à sua qualidade. Um profissional que esteja nas mídias ou que tenha assistido a uma celebridade pode ser percebido como um profissional de sucesso, sendo este um suposto sinal de qualidade profissional. O conteúdo sobre saúde e tratamento disponível na Internet, independente de sua qualidade técnica, pode ser interpretado como correto levando o consumidor a fazer escolhas incorretas ou que ponham a sua saúde em risco.

A qualidade da relação médico-paciente, também, pode ser determinante na percepção do que é um atendimento de qualidade. A qualidade está ligada a um tratamento empático, humanizado e competente do ponto de vista técnico. Mas, alguns profissionais  podem ser acolhedores e empáticos, sem serem competentes e vice-versa, o que leva a julgamentos distorcidos. Além disso, muitos pacientes têm a expectativa de que o médico solicite vários exames e que prescreva alguma medicação logo na primeira consulta, independente da sua necessidade. Outros preferem profissionais que prometem a cura, ainda que improvável, com intervenções não testadas.  

A estrutura e funcionamento do serviço são, frequentemente, confundidos com indicadores de qualidade de tratamento, tais como recepcionistas gentis, sala de espera confortável com wi-fi, prontidão na marcação de consultas e exames, facilidade de acesso e atendimento. Embora estas características sejam importantes para a boa prestação e agilidade de serviço, elas não definem a qualidade do tratamento.

Os critérios que cada pessoa usa para avaliar a qualidade de tratamento são fortemente ligados ao plano emocional e à expectativa social e cultural, e em geral, desprovidos de algum embasamento técnico e objetivo. Todos estes fatores fazem com que o consumidor (cliente e família) façam escolhas não racionais e que podem ser inadequadas para as suas necessidades. O marketing sabe explorar bem estas lacunas de informações. A assimetria de informação faz com que as pessoas se exponham a riscos ou recebam tratamentos inadequados.
A baixa qualidade de tratamento causa custos altos para a sociedade e para o sistema público de saúde. Estes custos muitas vezes são invisíveis. Por exemplo, o uso excessivo de álcool leva a acidentes automobilísticos e industriais, comportamentos violentos e criminosos, morte, invalidez e um aumento do uso de serviços de saúde, assistência social, além do sofrimento emocional.  
 
A saúde de uma pessoa afeta a saúde de muitas pessoas! É por isso que a saúde é considerada no plano da saúde pública como sendo um bem social e de interesse global para um país. Na maioria dos países, o Estado tem um papel preponderante tanto no financiamento quanto no provimento e regulação dos serviços e tratamentos. Uma pessoa doente sem cobertura a tratamento pode ser levada a gastar mais do que suas condições financeiras permitem porque a saúde é considerada um dos valores mais importantes, seja por estar relacionada à sobrevivência ou ao bem-estar e à qualidade de vida.

Um relatório sobre felicidade demonstrou a correlação entre os índices de felicidade e percepção subjetiva de boa saúde, demonstrando que a saúde (em especial, a saúde mental)(Dolan, 2011) é um fator mais importante do que a renda como determinante do bem-estar de uma população em países de alta renda, mas também ocupa posição de destaque juntamente com a renda em países de baixa renda (World Happiness Report, 2017).

Somada à relevância da saúde como um valor, a Organização Mundial da Saúde tem alertado para os gastos dispendidos por pacientes e familiares, também chamados de gastos catastróficos, os quais têm levado milhões de pessoas para abaixo da linha da pobreza no mundo, reforçando a necessidade da cobertura universal nos serviços públicos de saúde.
 
Com os avanços tecnológicos, a área da Saúde oferece uma gama imensa de tratamentos e opções, onerando provedores de serviços público e privado. O momento atual demanda uma reflexão sobre como um sistema público de saúde deve ser no que se refere a definir critérios mínimos de qualidade de tratamento e de estabelecer o padrão de tratamento mínimo a ser oferecido com cobertura universal. Esta é uma decisão em que toda a sociedade precisa se engajar e não permitir que ela seja delegada, exclusivamente, a um grupo de gestores e a outros setores que tenham conflitos de interesse.
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Além da qualidade, é fundamental definir critérios relevância dos tratamentos.  (Porter, 2010). Muitos tratamentos são considerados custo-efetivos por apresentarem algum benefício a mais do que o tratamento atual, porém a um custo bem mais alto. Pagar por este custo mais alto precisa valer à pena! Não basta o “benefício a mais” ser desejável, ele tem que ser relevante (valor) para a saúde do paciente. Por exemplo, imaginemos dois antidepressivos A e B que melhoram igualmente os sintomas depressivos, porém, o antidepressivo B melhora os sintomas sete dias antes do que o antidepressivo A e custa 20 vezes mais. A primeira indagação é saber se isto é relevante, quantas pessoas precisam da medicação e quantas pessoas deixariam de receber antidepressivos pelos recursos terem sido usados no novo tratamento. Alguns podem argumentar que diminuir sete dias no tratamento é um aumento de qualidade no tratamento. Porém, o que aumenta a qualidade do tratamento é o quanto o paciente tem de ganho em saúde e em qualidade de vida. Estes são os reais indicadores de qualidade, ainda que outros benefícios sejam desejáveis.

A cobertura universal com qualidade de tratamento só é possível a partir de estabelecimento de padrões mínimos de qualidade a serem alcançados com estratégias racionais de uso de recursos e de seleção das intervenções que respondam às necessidades da população. A equidade também depende de um sistema eficiente de saúde. Não se trata de redução e corte de despesas, mas de um direcionamento dos objetivos do sistema de saúde: o que tratar, quem tratar e como tratar. A resultante tem que ser um ganho de saúde e qualidade de vida de uma população e não uma oferta irrefreada e custosa de opções terapêuticas que favoreçam apenas uma parte da população. Não há eficiência de fato sem equidade, nem equidade sem eficiência!

Leitura Complementar

Dolan, P Using Happiness to value health.Office of Health Economics.London, 2011
Porter, M. The value of health. New England  Journal of Medicine 2010. Disponível em http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1011024#t=articlewww.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1011024#t=article

Patel, A. Equity and efficiency. In Razzouk, D. Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care, 2017.

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    Prof Dra Denise Razzouk

    Psiquiatra e professora universitária, com pós-doutorado em Economia da Saúde Mental. 

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