MINDSUP by Prof Denise Razzouk http://www.drmindsup.com
  • Home
  • Blog Economia e Saúde Mental em Pauta
  • Home English
  • Livros

Economia e Saúde Mental em Pauta​

Os testes genéticos para a Depressão: os custos de uma informação distorcida

7/2/2018

4 Comentários

 

No penúltimo post, discuti o conceito de assimetria de informação que ocorre na área da Saúde: o conhecimento médico-científico é muito maior do que o conhecimento que um leigo pode ter de sua própria enfermidade. Muitas vezes, o leigo obtém a informação distorcida em fontes que não são técnicas, seja na mídia ou no ambiente digital. A análise crítica de uma informação científica requer treinamento. Porém, nem sempre o leigo tem a oportunidade de consultar os especialistas. As notícias chegam através de "merchandising"  ou publicidade com forte apelo mercadológico e guiados por conflitos de interesses de quem comercializa um produto ou serviço. Outras vezes, a informação explode na mídia de forma bombástica, sensacionalista ou emotiva. Todos estes elementos contribuem para a formação de opinião do leigo que direciona as suas escolhas muitas vezes sem um embasamento mais sólido. 

Na última semana, uma notícia ocupou espaços significativos na mídia: a necessidade de testes genéticos para o tratamento da depressão. Uma frase utilizada pelo jornalista ressaltava que todo o tratamento que recebera em sua vida estava errado porque este teste não havia sido realizado antes e que somente com este teste seu tratamento foi eficaz. Muitos colegas psiquiatras relataram que ao longo da semana, seus pacientes solicitavam o tal teste genético para depressão. Outros, esperavam, ansiosamente, que este teste pudesse constar dos procedimentos do SUS. Qual é o impacto de um relato "inocente" sobre uma experiência positiva de um jornalista conhecido? É disto que trata este post.

Vamos aos fatos. Na Medicina, as descobertas de novos tratamentos levam anos e décadas. São vários experimentos de laboratório e posteriormente, estes experimentos se estendem para a população (pesquisa clinicas). São necessários vários exeprimentos para se verificar se um tratamento funciona, para quem funciona e quais os riscos, efeitos colaterais e adversos à saúde do indivíduo. Além disso, são feitos testes comparativos deste efeito para se verificar se o efeito é maior do que o efeito placebo. Um placebo é uma "pílula" que não contém nenhum medicamento dentro (princípio ativo), porém, muitas pessoas quando ingerem tal comprimido melhoram de seus sintomas por um efeito psicológico (efeito placebo). Para se obter uma evidência científica, uma medicação tem que ser melhor do que o placebo. Portanto, se alguém ingere uma medicação e melhora, não se pode atribuí-la ao efeito da medicação se esta não for comparada ao placebo.

Quando a eficácia do medicamento (melhora dos sintomas) é maior do que a do placebo, temos a chamada evidência científica e não apenas uma impressão pessoal e subjetiva de melhora. A importância disto é que sabemos que este efeito será estável e que ocorrerá em boa parte das pessoas que usarem esta medicação. Além disso, não disperdiçaremos recursos com uma medicação de efeito incerto. Portanto, o custo também é um elemento importante. Na Economia da Saúde combinamos os efeitos e os custos  (custo-efetividade) para compararmos os tratamentos e verificarmos qual deles é mais benéfico a um custo aceitável. 

Os testes genéticos existem há mais de uma década, mas ainda faltam muitas evidências quanto `a sua eficácia, utilidade e necessidade (Roy-Byrne, 2017). Não restam dúvidas que os avanços da genética são promissores e que novas tecnologias são atrativas. Porém, antes de recomendar estes testes na prática clínica, são necessárias várias etapas. 

Estudos genéticos na depressão

​Os estudos genéticos que avaliaram pessoas com depressão identificaram um grupo de pessoas que teriam uma "alteração genética" (polimorfismo do gene transportador da serotonina; alterações no metabolismo dos antidepressivos e alterações na neurotransmissão da serotonina) que prejudicaria a resposta ao tratamento com antidepressivos do tipo Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (por exemplo, fluoxetina, paroxetina, sertralina etc) (Fabri et al, 2015, 2016). A serotonina é uma substância cerebral (neurotransmissor) que está ligada à Depressão. Algumas pessoas com estas alterações genéticas e sob situações estressantes teriam maior risco de desenvolver depressão e responderiam de modo diferente ao tratamento. Estes estudos foram realizados, principalmente, em norte-americanos e europeus. Alguns estudos mostraram que 19% das pessoas teriam uma alteração genética com maior risco para depressão (gene SS) e que entre 7 a 10% desta população teria alguma alteração para metabolizar os antidepressivos (eliminar a droga muito rápido ou muito devagar, levando a alterações na resposta ao tratamento). Porém, as alterações genéticas são parcialmente responsáveis pelo aparecimento da depressão e pela má resposta ao tratamento. Há estudos mostrando que a genética é reponsável por menos de 42% da má resposta ao tratamento nestas pessoas (Peterson, et al 2017). 

​O que são estes testes genéticos?

Os testes genéticos servem para identificar estas alterações genéticas (polimorfismos: metabolismo de antidepressivos citocromo P450, transportador de antidepressivo ABCB1, transmissão serotoninérgica SLC6A4, HTR2A, dentre outros). Eles não fazem o diagnóstico de depressão! O diagnóstico da depressão continua sendo clínico, isto é, somente uma avaliação psiquiátrica extensa pode determinar a presença de depressão. Existem várias causas para a depressão e as pessoas não respondem igualmente ao tratamento, independentemente de terem ou não alterações genéticas. 

O que dizem as avaliações científicas destes testes?

São poucos os estudos disponíveis e bem conduzidos até o momento. Peterson et al, identificaram 477 estudos e somente 13 apresentavam alguma avaliação sistemática e somente dois eram ensaios clínicos. Porém, todos tinham problemas metodológicos importantes, as amostras estudadas eram muito pequenas (menos de 150 pessoas) e o tempo necessário para avaliar a melhora dos sintomas era muito curto (5 semanas). Alguns resultados foram promissores, mas ainda são inconclusivos. De modo geral estes estudos mostraram que para cada 3 pessoas que faziam os testes (CNS Dose , ABCB1 genotyping) 1 tinha melhora dos sintomas depressivos.Mas, não encontraram diferenças entre fazer e não fazer o teste GeneSight. 

Em outra revisão sistemática recente, não foram encontradas diferenças entre fazer e não fazer o teste em dois ensaios clínicos. Nesta revisão, Rosemblat et al (2017)  demonstrou que a maioria dos estudos era patrocinada pelas indústrias envolvidas na comercialização do teste e que os problemas metodológicos impediam alguma conclusão favorável aos testes.

Em resumo, ainda é incerto quem se beneficiaria destes testes e qual benefício ele realmente acrescenta. São importantes estudos mais longos para verificar se os efeitos são relevantes e estáveis. Porém, o custo destes testes é bem alto.

Estes testes são custo-efetivos?

Não há no momento bons estudos econômicos empíricos ( isto é com dados reais em uma população) disponíveis. A maioria dos estudos são modelagens que se baseiam em dados da literatura e as conclusões são conflitantes. Um estudo econômico de modelagem (Olgiati, 2012) comparou o custo-efetividade destes testes em países europeus de baixa, média e alta renda. Embora o teste pudesse apresentar custo-efetividade para os países de alta renda, ele só seria custo-efetivo em países de média renda se seu custo fosse 30 x menor! Não há estudos econômicos em outros paises de baixa e média renda e o custo de tais testes não justifica a sua implementação nestes contextos principalmente porque seus benefícios não estão comprovados e o custo é muito alto. 

Cuidados na interpretação dos estudos econômicos

Ainda faltam estudos econômicos robustos que mostrem que tais testes são custo-efetivos. Porém, é necessário estar atento a determinados argumentos "econômicos" que na verdade não são de fato justificativas de custo-efetividade. Um exemplo disso é a afirmação de Peter Foster: " Data from the STAR*D NIMH sponsored trial on the treatment of depression suggests that around 15% of patients who have failed two trials will respond to a third agent (or augmentation), and it is this group of patients who were shown to preferentially respond to TMS as opposed to another medication trial (and TMS costs around 30,000$ for a course of treatment) so it seems reasonable to use these tools (which cost between 1500 and 3500$) to guide selection of a medication if the tools can significantly increase the response rate"

Esta argumentação é questionável porque:
- primeiro é necessário realizar um estudo que compare os efeitos do uso do teste genético e da estimulação transcraniana,
- segundo- os custos a serem medidos não se referem apenas ao custo do teste e da aplicação de tms! Os custos devem ser medidos de forma abrangente ( por exemplo, medir a utilização de todos os serviços e tratamentos realizados no período do estudo). Se por algum motivo, um tratamento melhora os sintomas, mas, simultaneamente, provoca o consumo de algum outro serviço (por exemplo ir ao pronto socorro por algum efeito colateral) este custo precisa ser computado. 
- terceiro é necessário verificar para qual grupo este teste pode ser de fato benéfico


Portanto, não se define que um tratamento vale à pena pelo o seu custo, mas pelo quanto vale o benefício que ele promove! Isto precisa ser avaliado em cada contexto (país), não pode, simplesmente, ser importado de outro país. Um sistema público de saúde não pode se guiar por novas tecnologias caras testadas em outros países, sem avaliar a relevância e os efeitos reais no contexto nacional. Os estudos científicos são necessários e fundamentais para que a tomada de decisão não seja guiada por pressuposições que não se confirmam. O custo de oportunidade de destinar recursos para tratamentos e tecnologias mal testadas põe em risco a saúde de milhões de pessoas.
​


Leitura complementar

Fabri et al. Consensus paper of the WFSBP Task Force on Genetics: Genetics, epigenetics and gene expression markers of major depressive disorder and antidepressant response.The World Journal of
Biological Psychiatry, DOI: 10.1080/15622975.2016.1208843



Fabri et al Pharmacogenetics of Major Depressive Disorder: Top Genes
and Pathways Toward Clinical Applications.Curr Psychiatry Rep (2015) 17: 50
DOI 10.1007/s11920-015-0594-9

Olgiati, P 
Should pharmacogenetics be incorporated in major depression treatment? Economic evaluation in high- and middle-income European countries. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry 36 (2012) 147–154

Peterson et al Rapid evidence review of the comparative effectiveness,
harms, and cost-effectiveness of pharmacogenomics-guided
antidepressant treatment versus usual care
for major depressive disorder. Psychopharmacology 2017;
DOI 10.1007/s00213-017-4622-9


Rosenblat JD et al. Does pharmacogenomic testing improve clinical outcomes for major depressive disorder? A systematic review of clinical trials and cost-effectiveness studies. J Clin Psychiatry 2017 Jun; 78:720. (http://dx.doi.org/10.4088/JCP.15r10583)

Roy-Byrne et al When Genetic Testing Is Unproven: The Case of Depression Treatments. NEMJ, 2017.

4 Comentários
André B Negrão
13/3/2018 09:25:24

Excelente esclarecimento sobre os testes genéticos no tratamento da depressão. Na sua opinião, as associações de classe, como CRM/APM deveriam se manifestar a respeito?

Responder
DENISE RAZZOUK link
13/3/2018 10:51:26

Olá, André! Obrigada. Acho que nós pesquisadores e profissionais de saúde, bem como todos os orgãos técnicos que nos representam, precisamos divulgar esclarecimentos ao público de forma isenta, simples e bem embasada e alertar para as notícias fantasiosas ou com pouca acurácia que circulam na mídia. É importante que se entenda que o indivíduo pode ser levado a fazer escolhas equivocadas que podem resultar ou em gastos desnecessários ou em danos à saúde em alguns casos

Responder
Fabio Sigmar Bortoletto
30/3/2018 11:57:59

Já perguntaram as pessoas que tem depressão se elas gostam do ambiente sócio cultural e político em que vivem. Ficam fazendo testes e mais testes. Receitam-se remédios e mais remédios. Mas o problema é o ambiente criado por uma cultura em que a pessoa não gosta.isso é depressão e o remédio é a pessoa estimular sua química com atividades prazerosas. A cultura do sofrimento imposto pelas religiões é no meu ponto de vista o principal fator seguido de uma cultura capitalista imbecil que visa lucro e não boa distribuição de renda.

Responder
DENISE RAZZOUK
2/4/2018 08:26:51

Olá Fábio,

Não restam dúvidas que o ambiente influencia a saúde das pessoas, porém, é preciso entender que só os fatores externos não são responsáveis pelas doenças. A depressão é uma doença e existe muito antes do capitalismo aparecer. Ela não melhora com atividades prazerosas, principalmente, porque a pessoa com depressão perde a capacidade de sentir prazer, de pensar, de julgar, de se relacionar e de exercer suas atividades, inclusive as de lazer. Infelizmente, há uma banalização da palavra depressão e as pessoas confundem tristeza, insatisfação e descontentamento com depressão. A depressão é a principal causa de suicídio e tem um forte componente genético. Pessoas ricas e pobres, vivendo em ambientes felizes e agradáveis, em qualquer idade, podem apresentar depressão. As medicações já salvaram muitas pessoas da morte e melhoram muito a qualidade de vida das pessoas.

Responder

Seu comentário será publicado após ser aprovado.


Enviar uma resposta.

    Prof Dra Denise Razzouk

    Psiquiatra e professora universitária, com pós-doutorado em Economia da Saúde Mental. 

    Arquivo/archives

    Outubro 2020
    Abril 2020
    Maio 2019
    Outubro 2018
    Setembro 2018
    Agosto 2018
    Junho 2018
    Maio 2018
    Abril 2018
    Março 2018
    Fevereiro 2018
    Janeiro 2018
    Dezembro 2017
    Novembro 2017
    Outubro 2017

    Feed RSS

                                                      Minds Up by Prof Denise Razzouk    http://www.drmindsup.com    email drmindsup@gmail.com                     
  • Home
  • Blog Economia e Saúde Mental em Pauta
  • Home English
  • Livros