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Economia e Saúde Mental em Pauta​

Entrevista Dia Mundial da Saúde Mental 2020: A importância dos recursos para a Saúde Mental

16/10/2020

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https://www.youtube.com/watch?v=GH4ZKsU5l8Y

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Entrevista ao site Saúde Mental por Barbara Panseri: Por que o Brasil deveria investir em Ansiedade e Depressão?

27/4/2020

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Economia x Saúde

19/4/2020

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Assista o meu vídeo onde eu discuto as relações entre a Economia e a Saúde.

Neste link da Minds Up no Facebook

https://www.facebook.com/drmindsup/videos/2826454790773701/
You Tube
 https://youtu.be/Xm4ysl1YCvI


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Dia da pessoa com Esquizofrenia: o custo do estigma!

23/5/2019

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O dia da pessoa com Esquizofrenia é celebrado em 24 de maio. Todos os dias do ano ano são destinados para celebrar alguma causa. Mas, qual é a importância desta data?

A Esquizofrenia é uma doença mental! Sim, é uma doença mental e que não depende da vontade, inteligência ou do caráter da pessoa, nem do nível sócio-econômico ou da "neurose" das mães. Embora nem todas as causas da Esquizofrenia tenham sido totalmente elucidadas, sabe-se hoje que a Esquizofrenia é decorrente de uma alteração no desenvolvimento do cérebro desde do início do nascimento até meados da idade adulta. Ao contrário de outros órgãos do corpo, o cérebro humano demora, em média, de 15 a 20 anos para atingir o seu grau de maturação plena. Durante este período muitos fatores podem influenciar neste processo: desnutrição, infecções, deficiência de vitaminas, estresse excessivo, uso de drogas (principalmente, a maconha e a cocaína), problemas no parto, a não realização de exames e acompanhamento pré-natal durante a gestação da mãe e a idade paterna, dentre outros. Além disso, esta doença é fortemente relacionada aos fatores genéticos. Ter um parente próximo com Esquizofrenia aumenta muito o risco de ter a doença. 

Ao contrário do que se pode imaginar, uma pessoa com Esquizofrenia tem períodos de lucidez e episódios que duram semanas ou meses com sintomas psicóticos. Nestes episódios, as pessoas ouvem vozes que lhe dão ordens ou comentam seus comportamentos, e em geral, estas vozes não são nada agradáveis. Além disso, nestas ocasiões, estas pessoas podem ter alterações em como percebem a realidade, o que chamamos de alteração de julgamento (delírios) e elas podem sentir que estão sendo perseguidas por todas as pessoas ao seu redor. Existem outros sintomas além destes, mas este post não visa se concentrar neste aspecto. Mas, o mais importante é que estes sintomas cessam com as medicações psiquiátricas e que a pessoa recupera a capacidade de exercer suas funções vitais e sociais. 

Apesar dos sintomas psicóticos causarem muito sofrimento, talvez o maior sofrimento seja, realmente, após o "surto psicótico", quando a pessoa tenta ter uma vida normal. Em geral, nesta fase, múltiplas abordagens são usadas (intervenções psicossociais), com a participação intensa de psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e outros profissionais, para que a vida destas pessoas e da família volte ao normal. A maior dificuldade, após um surto, é voltar a se inserir na sociedade, exercer sua profissão, voltar a estudar, a cuidar dos seus afazeres e ter uma vida plena. O principal obstáculo para esta volta é o estigma contra a doença mental!

O estigma nada mais é do que um conjunto de preconceitos e ideias errôneas aliadas a atitudes discriminatórias e agressivas contra alguém (Veja o vídeo do Prof Thornicroft sobre estigma). Em relação à Esquizofrenia, existem muitas ideias distorcidas, principalmente, a de que estas pessoas são perigosas, agressivas e incapazes de fazer qualquer atividade. E infelizmente, a mídia reforça estas ideias (Guraniero et al, 2012). 

Quais são as consequências e os custos do estigma contra a Esquizofrenia?

São duas as consequências: O não investimento em políticas públicas sociais e de saúde para o tratamento e prevenção da Esquizofrenia e perdas econômicas e sociais para a pessoa, a família e diversos setores da sociedade. Focarei nos impactos para a pessoa com Esquizofrenia e seus familiares.

Limitações na vida da pessoa com Esquizofrenia

A primeira limitação está na perda de oportunidades (Romeo et al, 2017), sejam elas relacionadas ao trabalho e renda, à inserção social (relacionamentos e networking) e ao acesso às possibilidades de desenvolvimento pessoal. Estima-se que apenas 1/5 das pessoas com Esquizofrenia no mundo conseguem um trabalho remunerado e que mais de 90% recebem benefícios sociais na Europa pela falta de oportunidade de trabalho!(Knapp& Razzouk, 2009). Pelo menos 50% das pessoas com Esquizofrenia relataram sentir-se discriminadas no ambiente de trabalho, em um estudo na Nova Zelândia. Só pelo fato de contar no trabalho que é portador de Esquizofrenia já seria um motivo para ser demitido (Sharac et al, 2010). Além disso, muitos familiares param de trabalhar para cuidar de seu parente com Esquizofrenia, levando a uma perda de emprego e renda. Há estudos mostrando que estas perdas chegam a 30% dos custos da Esquizofrenia! (Razzouk, 2017). Outros estudos mostram que 60% dos adolescentes que apresentam um episódio de Esquizofrenia não voltam a estudar e nem tem amigos e relacionamentos fora de seu convívio familiar e dos serviços de saúde! Menos de 10% chegam às Universidades. (Razzouk, 2017). 
Cria-se, então, uma barreira social, muitas vezes invisível ou disfarçada, que propicia um isolamento social desta pessoa e também de sua família.Esta barreira provoca uma grande desvantagem social e econômica!

Porém, a discriminação está presente em todos os setores, até nos setores da Saúde! Frequentemente, as pessoas com Esquizofrenia sofrem maus tratos ou são ignorados quando tem alguma doença física! Médicos e outros profissionais de saúde, muitas vezes, evitam atender estas pessoas, realizam menos exames físicos e laboratoriais e estas pessoas recebem menos tratamento do que necessitam! A expectativa de vida destas pessoas é de 20 anos a menos do que a maioria da população e por causas totalmente tratáveis como a Pneumonia, Diabetes, Hipertensão, etc!!!! (Razzouk, 2017). Mas, o preconceito não pára nos médicos generalistas ou de outras especialidades. Em um evento em Berlim sobre estigma de doença mental - 3rd International German Forum “What matters to people – global health and innovation", coordenado pela chanceler Angela Merkel, que eu tive a oportunidade de participar, fiquei surpresa que uma das participantes que era portadora de Esquizofrenia relatou que o maior preconceito que ela havia sofrido era oriundo dos próprios psiquiatras!!!! Sim, há muito o que se fazer em relação ao estigma!!!


Em tempos de Desenvolvimento Sustentável, de não deixar "ninguém para atrás", combater a pobreza, a desigualdade....resta a pergunta - o que está sendo feito para combater o estigma e estabelecer políticas públicas sociais, educacionais e de saúde para melhorar a inclusão e qualidade de vida destas pessoas? Algumas iniciativas já existem (ABRE, Programa INSERIR-PROESQ, UNIFESP,  PROJESQ-IPQ USP), mas são necessárias ações mais globais que atinjam os vários setores da sociedade. 

Vou deixar um video com quem entende do assunto e vai te explicar como é ter Esquizofrenia. Jorge Assis relata neste video a sua experiência com a doença e como fez para superar os desafios que a doença traz: https://www.youtube.com/watch?time_continue=29&v=16q6NbbeeoY
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Sugestões de leitura

GUARNIERO, Francisco Bevilacqua; BELLINGHINI, Ruth Helena  and  GATTAZ, Wagner Farid. O estigma da esquizofrenia na mídia: um levantamento de notícias publicadas em veículos brasileiros de grande circulação. Rev. psiquiatr. clín. [online]. 2012, vol.39, n.3, pp.80-84. ISSN 0101-6083.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832012000300002.

Romeo, R, Thornicroft,G, Mc Crone, P. The economic impact of mental health stigma. In: Razzouk, D. Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publishing Cham, 2017, pp401-413.


Knapp,M, Razzouk, D. Costs of schizophrenia. Psychiatry, 2009; 7:1

Razzouk, D. Burden and indirect costs of mental disorders. In: Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publishing, Cham, 2017 pp 381-391.



Sharac, J,  Mccrone,P,  Clement, S, Thornicroft,G.The economic impact of mental health stigma and discrimination: A systematic review.
Epidemiologia e Psichiatria Sociale 2010; 19:03:223-232. DOI: 10.1017/S1121189X00001159


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A falta de medicamentos no SUS: O custo da irresponsabilidade

20/5/2019

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Embora este tema não seja novo (infelizmente!), periodicamente presenciamos dois fenômenos assustadores em termos de má gestão dos recursos públicos: o desperdício de medicamentos e o atraso na compra ou na distribuição dos medicamentos até o usuário final. 

Falta de medicamentos no SUS

A lista de medicamentos essenciais do SUS contemplada no RENAME é destinada aos tratamentos que fazem parte da Assistência Farmacêutica na Atenção básica (CBAF), sendo financiada pelos governos federal, estadual e municipal. Por outro lado, os medicamentos de alto custo e mais especializados, como por exemplo, os antipsicóticos, estão listados no Grupo 1 das medicações do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) e só podem ser dispensados  para determinados diagnósticos (CID-10) e guiados por protocolos clínicos específicos (PCDTs). Estas medicações são financiadas, exclusivamente, pelo Ministério da Saúde. Algumas destas medicações são compradas diretamente pelo Ministério da Saúde enquanto outras são compradas pelas Secretarias Estaduais de Saúde com o repasse de recursos ministerial.

A clozapina é um antipsicótico que se encaixa neste grupo de medicações de alto culto e que deve ser destinada a pessoas com Esquizofrenia refratária, de difícil tratamento. No Banco de Preços de Medicamentos do Ministério da Saúde, a clozapina 100mg é comprada por 1,75 a 16,00 reais por comprimido (média ao redor R$1,90 em 2017), o que corresponderia a aproximadamente R$57,00 por caixa de 30 comprimidos (Razzouk, 2017). No mercado,   a caixa de clozapina 100 mg  varia entre R$232,00 a R$306,00 (https://consultaremedios.com.br/leponex/p). Em geral, a dose média da Clozapina por dia é de 3 a 6 cp/dia, ou seja de 3 a 6 caixas por mês (R$696,00 a R$1392,00)! Considerando que a renda média do brasileiro é de, aproximadamente, R$1300,00, este gasto representaria 50% a mais de 100% de sua renda, o que seria considerado um gasto catastrófico em saúde.

As pessoas que usam clozapina dependem da medicação para não terem alucinações, delírios, desorganização do comportamento, agressividade, tentativas de suicídio e sobretudo, para evitar internações hospitalares e muito sofrimento. Um episódio psicótico pode durar em média de 2 a 6 meses e a interrupção da medicação é a principal causa para uma recaída! Uma pessoa com psicose que fica ao redor de 24 dias em uma internação em hospital psiquiátrico público custaria,  aproximadamente, R$2668,00! (Razzouk, 2019)

Durante os meses de 2019, vários antipsicóticos não foram fornecidos pelas farmácias de alto custo do SUS. Vi meus colegas psiquiatras consternados com a recaída de seus pacientes, sendo que muitos deles foram internados em hospitais psiquiátricos. Às vezes, demoram-se semanas a meses para conseguir controlar os sintomas da doença e a interrupção do tratamento é sempre desastrosa para os pacientes, familiares e obviamente, para o serviço público de saúde. Ainda mais grave, é sabermos que a Esquizofrenia é uma doença que cursa em episódios (surtos) que podem ficar mais graves e com piores respostas ao tratamento com o decorrer do tempo. Portanto, privar ou adiar o tratamento para quem precisa é um caminho sem volta, um custo imensurável. Esperar 1 ou 2 meses sem medicação pode custar muito! No dia 24 de maio, comemora-se o dia das Pessoas com Esquizofrenia, mas garantir-lhes um tratamento contínuo e apropriado é um passo crucial para que vivam com dignidade e qualidade de vida.

Dentre as várias causas e justificativas para a falta dos medicamentos muito bem levantadas por Viviane Masso (2017), quero destacar a total irresponsabilidade dos gestores públicos em não planejar e garantir o fornecimento destas medicações a quem é vulnerável. Felizmente, algumas iniciativas foram apresentadas hoje pela Senadora Mara Gabrili para que o STF se posicione quanto à responsabilidade do Estado em garantir este direito ao fornecimento adequado e eficiente dos medicamentos. 



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Você daria um cheque em branco para o Governo?

24/10/2018

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Uma boa parte das pessoas, talvez, respondesse, prontamente, que não daria um cheque em branco para o governo. Mas, todos os meses, temos nossos rendimentos descontados para o pagamento de tributos que compõem parte dos recursos do país. 

Recursos são escassos e precisam ser bem utilizados! Este é pilar da Economia: a escolha de como usar os recursos escassos. Mas, esta escolha depende de valores e de preferências. Uma sociedade, comunidade ou país precisam decidir como usar estes recursos de modo a beneficiar o maior número de pessoas e suprir suas necessidades. Um gestor, um "tomador de decisão" (decision-makers), um governante tem o papel de representar a sociedade nas escolhas do uso dos recursos levando em conta as necessidades da população. 

Mas, ter um representante para realizar uma escolha não significa assinar um cheque em branco, a menos que a população não participe e não fiscalize como estas escolhas são feitas, quais as suas consequências e se estão de acordo com o objetivo principal, que no caso do SUS, é o de promover a saúde do cidadão. É importante entender que esta relação governante-sociedade não pode ser de mão-única, isto é, a participação da sociedade e o entendimento de como as escolhas são feitas são fundamentais para a eficiência de um sistema de saúde.

A incorporação de novos tratamento es tecnologias não pode ser infinita e pautada no desejo ilimitado da sociedade. Podemos querer tudo, mas não podemos pagar por tudo! Uma vez que os recursos são finitos, as escolhas precisam ser racionais tanto na incorporação de novos tratamentos quanto na exclusão de outros. Não é uma tarefa fácil!

Se os recursos são desperdiçados, o "seu cheque em branco" oriundo de seu trabalho mensal, também, foi mal utilizado e não atendeu as necessidades de muitas pessoas, inclusive as suas! 

Mas, como as preferências da sociedade são consideradas na Economia da Saúde?

Há vários métodos, mas eu vou me ater aqui nas técnicas específicas para medir o ganho de saúde (QALY) que eu conceituei no post de agosto de 2018. Dentre as várias técnicas, destacam-se o "standard gamble" e o "time trade-off".

No caso do "standard gamble", descreve-se o cenário de um estado de doença por exemplo, e pergunta-se para o indivíduo se ele está disposto a arriscar sua vida para ficar curado com um tratamento X. Este risco vai sendo alterado de acordo com a preferência, 10%, 20% de chance de morrer contra 80% de chance de ser curado, até que não seja mais possível fazer a escolha entre os dois. Este valor corresponde o valor da preferência e vai ser utilizado para calcular o QALY, ou o valor do ganho em saúde. 

No caso do "time trade off", descreve-se o mesmo cenário e pergunta-se se o indivíduo está disposto a trocar anos de vida por uma cura com um tratamento X. Por exemplo, se o indivíduo prefere viver o restante de sua vida em um estado de doença ou viver 2 anos , 3 anos, .... a menos e ser curado pelo tal tratamento. Aqui a noção de risco não está presente como no caso anterior.

Obviamente, estes resultados variam de acordo com a técnica, população, descrição de cenário e outros fatores. Mas, dependendo que como esse valor foi obtido, isso vai interferir na medida do QALY de um tratamento. Isto significa, que quando um gestor escolher um tratamento que gera mais QALY (mais saúde), dependendo do método utilizado os valores podem ser diferentes, o que pode interferir nas escolhas!

A pergunta central é o que é relevante para a sociedade? Viver mais? Ter mais qualidade de vida? Ter mais bem-estar? Diminuir o sofrimento?

Podemos ou não preferir satisfazer todas estas questões, porém, o ganho de saúde (QALY) obtido em cada situação não será o mesmo e isto implica em se priorizar uma ou outra situação. Em geral, isto não está claro para a população, principalmente, quando temos um sistema de saúde de cobertura universal, uma constituição igualitária e de princípios do SUS de equidade e integralidade na saúde.

Há estudos internacionais mostrando as preferências da sociedade em relação às prioridades de saúde em políticas públicas. Um estudo holandês, Reckers_Droog et al (2018), por exemplo, mostrou que a população preferia que a prioridade em saúde fosse para qualidade de vida em relação ao prolongamento da expectativa de vida; maximizar o ganho em saúde ao invés de limitar a desigualdade; de tratar, prioritariamente, as crianças em relação ao idosos; acesso igualitário aos serviços de saúde em relação à restrição de acesso, dentre outras. E no Brasil, como seriam estas preferências?

Um estudo realizado em Diadema (São Paulo) Fortes et al. (2002) mostrou, também, que parentes de pacientes hospitalizados tinham preferências quanto a tratar os mais jovens em relação aos mais idosos, a tratar mais mulheres do que homens, a tratar as mães com maior número de filhos e a tratar uma pessoa com hepatite viral do que com problemas hepáticos decorrentes do álcool.

O que podemos notar nestes estudos é que a sociedade expressa seus desejos, valores, preconceitos e necessidades, que nem sempre facilitam a tarefa do gestor no delineamento das prioridades. 

O grande desafio está em buscar um balanço entre o que a sociedade deseja, o que é necessário do ponto de vista de saúde pública (dados epidemiológicos) e de direitos do cidadão e o que é possível em termos de recursos disponíveis. A Economia da Saúde pode prover dados para auxiliar nesta equação, mas não tem a resposta completa para todos estes desafios. 

A pergunta que eu deixo para o leitor: Se você pudesse gerir todos os recursos destinados à Saúde, quais seriam as suas prioridades? O que seria um SUS justo e eficiente na sua opinião?

Leitura

 Reckers-Droog V,  Exel J, Brouwer W . Who should receive treatment? An empirical enquiry into the relationship between societal views and preferences concerning healthcare priority setting. Plos One 2018, https://doi.org/10.1371/journal.pone.0198761

Fortes, PAC et al.  A study on the ethics of microallocation of scarce resources in health care. Journal of Medical Ethics 2002 http://dx.doi.org/10.1136/jme.28.4.266


 

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O custo de driblar o SUS: Por que o Governo não pagou o tratamento?

6/9/2018

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Independentemente de má gestão, subfinanciamento, potenciais corrupções e ineficiências relacionadas ao SUS, gostaria de trazer um tópico bem polêmico e muitas vezes mal interpretado. Não faltam exemplos na mídia e rede sociais de pessoas que questionam o por quê do Governo não pagar o tratamento custoso e não incluído na lista do SUS para uma determinada pessoa enquanto uma infinidade de pessoas morrem por falta de acesso a tratamentos básicos e não custosos incluídos no SUS. É justificável "driblar" as regras que orientam o uso dos recursos do SUS em nome de "melhorar a saúde ou dar conforto para um único indivíduo"?  

Tenho certeza de que muitas pessoas frente a esta indagação responderão, rapidamente, com um solene SIM, com convicção absoluta de que esta atitude não prejudica ninguém e que todos os recursos tem que ser gastos para o cuidado de um indivíduo, independentemente do tratamento ser eficaz, paliativo ou nem testado! 

Seja um profissional de saúde que quer fazer "qualquer coisa" para ajudar o seu paciente, seja a família desesperada com o sofrimento de seu ente querido, seja um juiz preocupado em tomar uma decisão justa e acertada para o indivíduo, todos nós carregamos o ônus destas escolhas apesar de boas intenções. 

O cerne da questão não é negar que todo o indivíduo tenha o direito à saúde e ao tratamento digno, independentemente de sua condição. O maior dilema está no fato de que "aceitamos" a morte de alguns e "escolhemos", ainda que inconscientemente, quem será salvo ou beneficiado pelo uso de recursos!

Vou citar dois exemplos que constituem um dilema ético para ilustrar a atitude de profissionais de saúde e da sociedade quanto à   escolha e à aceitação ou não da morte de alguns em benefício de outros.

No ano de 2017, foi publicado no The New England of Journal of Medicine o relato de um cirurgião que realizou a separação de duas meninas gêmeas siamesas, sabendo que uma delas teria grande possibilidade de morrer em decorrência desta cirurgia. Este caso suscitou opiniões e sentimentos divergentes entre os profissionais de saúde. A decisão polêmica não era de caráter técnico, apenas, mas estava basicamente ligada a valores individuais, culturais e legais, além do dilema ético.  Temos, aqui, um exemplo dramático de que uma intervenção médica pode "salvar uma vida" às custas de outra morte, com a anuência de parte da sociedade.

Entretanto, muitos procedimentos e intervenções que "salvam vidas" também, consomem recursos que poderiam salvar outras vidas! Vamos imaginar uma situação em que todos os recursos que seriam destinados para salvar 1000 crianças fossem direcionados para tratar apenas uma criança em estado terminal com algum tratamento custoso. Por que "aceitamos" a morte de 1000 crianças para cuidar de uma única criança? Obviamente, é inegável que todas as crianças são importantes, mas se nossas ações causam este tipo de redirecionamento de recursos, podemos ficar tranquilos de que fizemos o melhor para salvar/cuidar de uma criança, independentemente, dos prejuízos às outras crianças? 

Embora esta decisão atormente muitos gestores, a alocação de cuidados em saúde é, indiretamente, "decidida", também, pelo modo de como os recursos são, de fato, consumidos. Esta situação hipotética ocorre, diariamente, no SUS. O uso dos recursos do SUS é, frequentemente, alterado através de ações individuais em que laudos e diagnósticos são potencialmente direcionados para a obtenção de uma medicação ou intervenção de alto custo. Ou seja, os recursos são desviados de um grupo de pacientes para outro(s) com o intuito de "salvar alguém". O desvio de recursos, nestes casos individuais, não ocorre, portanto, a partir das análises que gestores e comitês técnicos utilizam para decidir como garantir a melhor saúde possível de uma população. 

O mesmo se aplica à judicialização, quando muitos pacientes e familiares são incentivados a procurar o serviço judiciário a fim de obter um tratamento não disponível no SUS. Não se trata aqui de "julgar"a decisão judicial, mas de se analisar as consequências do direcionamento de recursos para um grupo de pessoas. 

Um dos alicerces da Economia da Saúde é centrado no fato de que se deve promover o bem-estar de um indivíduo sem prejudicar o outro e que a alocação eficiente de recursos obedeceria este princípio. Porém, na prática, o ganho de saúde de um não significa que não houve prejuízo para outro que necessitasse do mesmo recurso. Embora os princípios de não provocar danos e o de promover a saúde do individuo sejam os norteadores da prática médica, todas as nossas decisões apresentam um ônus, um custo de oportunidade, no qual alguém ou algum grupo está sendo prejudicado em prol de produzir benefício para outros.

Há muitos problemas no SUS. Ações heróicas individuais não contribuem para um SUS melhor e mais justo. Se algum tratamento muito necessário está ausente no SUS, os profissionais de saúde, pacientes e familiares podem e devem participar para aprimorar e modificar o uso de recursos do SUS. Além disso, o CONITEC abre consultas públicas para a introdução de novos tratamentos e tecnologias. O Ministério da Saúde também faz consultas públicas a cerca de seus protocolos e diretrizes. O SUS não precisa de "remendos" e "jeitinhos" para driblar o sistema. O SUS precisa de todos nós, atuando para que os serviços de saúde melhorem de qualidade e que não apenas alguns poucos recebam o melhor tratamento. As regras podem ser boas ou ruins, e muitas vezes, precisam ser mudadas. As avaliações das políticas públicas, protocolos clínicos e funcionamento dos serviços precisam ser, periodicamente, avaliados para corrigir as muitas distorções e ineficiências existentes.

Por outro lado, uma gestão transparente, principalmente, de como os recursos são usados e de suas justificativas cabíveis aos seus usos poderia contribuir para um melhor uso dos recursos do SUS. O SUS é da sociedade brasileira e deve contemplar coletivamente suas necessidades, obviamente dentro de suas inevitáveis limitações de recursos. Estas limitações precisam ser discutidas com todos nós! E a Economia da Saúde é um facilitador na melhor compreensão e consciência do uso de recursos da saúde. 


A pergunta que deixo para reflexão é:

Por que nos indignamos com a desassistência de um indivíduo e seguimos indiferentes aos muitos outros que morrem anônimos sem nenhum tratamento?





Leitura complementar
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Razzouk D. Why there needs to be some consideration of health economics in clinical decision making: The views of a clinician. Disponível ​https://www.findeconjobs.com/pages/8130-why-there-needs-to-be-some-consideration-of-health-economics-in-clinical-decision-making-the-views-of-a-clinician

​Brian M. Cummings, et al.Case 33-2017 — 22-Month-Old Conjoined Twins




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Alocação de recursos em saúde: limiar de custo-efetividade, solução ou armadilha?

6/8/2018

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O projeto de Lei 415/2015 está em trâmite na Comissão de Assuntos Sociais (a ser discutido na reunião de 8 de agosto de 2018) para se aprovar o limiar de custo-efetividade no Brasil(Soarez et al, 2017) nas decisões de incorporação de novas tecnologias e tratamentos. Este projeto visa alterar a lei orgânica 8080 que dispõe sobre as condições para a promoção e recuperação da saúde e sobre o funcionamento dos serviços.

Qual é a consequência deste projeto para o SUS e para a saúde do cidadão brasileiro?

Antes de discutirmos o impacto deste projeto na saúde pública, vou introduzir alguns conceitos básicos para facilitar oo entendimento do projeto.

A Economia da Saúde fornece ferramentas para dar subsídios às decisões entre duas ou mais alternativas e não para substituir os gestores e a sociedade na escolha de como usar os recursos escassos. Os princípios que regem a Economia da saúde visam, de modo geral, maximizar o bem estar social, e no caso da saúde, maximizar o ganho de saúde, respeitando os valores e a preferência da sociedade. O conceito de maximização de saúde implica em privilegiar a alternativa que produz mais saúde. Isto não significa que todas as pessoas terão ganhos, pois se um tratamento produzir mais ganhos para uma doença do que para outra, então, somente um grupo receberá o tratamento. Mas, como este ganho de saúde é mensurado? 

Há várias formas de se medir saúde(Razzouk, 2017):

1. Medindo-se a melhora de um grupo de sintomas (escalas de sintomas) de uma determinada doença.

2. Medindo-se a diminuição a mortalidade e incapacidade produzida por uma doença (DALY)

3. Medindo-se o ganho de expectativa de vida e de qualidade de vida em um único indicador (QALY). Existe um pressuposto de que melhorar 1 QALY no tratamento do câncer seria igual a melhorar 1QALY no tratamento da pneumonia. Será isso verdade?(Wetering et al, 2016) Há muita discussão a este respeito.

4. Medindo-se  a preferência do indivíduo por um tratamento e estado de saúde e convertendo esta preferencia em valor monetário (custo-benefício)

A escolha destes métodos implica em resultados e em escolhas diferentes. Isto quer dizer que a alocação de recursos vai variar de acordo com o critério adotado para se determinar a relevância de um tratamento.

O conceito de cuto-efetividade não é suficiente para a tomada de decisão na alocação de recursos e nem para determinar o que é mais relevante para a saúde de uma população. O conceito de custo-efetividade fornece um valor (razão) que demonstra o quanto é necessário pagar para que uma alternativa seja mais custo-efetiva do que outra. Em outras palavras, o quanto é necessário pagar por um acréscimo na saúde. A razão de custo-efetividade é dada pela fórmula:

ICER = Custo tratamento novo - tratamento atual
          Efeito (melhora dos sintomas) do novo - Efeito tratamento atual

Se ao compararmos antidepressivos A(novo) e B para o tratamento de depressão e usando a escala de Hamilton (sintomas de depressão) para medir a melhora dos sintomas, e encontrarmos o valor de ICER de R$ 20,00, isto significa que para cada um ponto de melhora a mais na escala de Hamilton que o antidepressivo A oferece em relação ao antidepressivo B, é necessário pagar R$20,00. Se ao invés de usarmos a escala de Hamilton, usássemos o indicador QALy, diríamos que para cada 1 QALY a mais gerado pelo antidepressivo A, seria necessário pagar R$20,00 (ou resumindo 20 reais por QALY adicional). 

Na prática, é relevante pagar R$20,00 por uma melhora de 1 ponto na escala de Hamilton? Vale à pena? Ou ainda, vale à pena pagar R$20,00 por QALY adicional (lembrando que 1 QALY equivale a 1 ano de saúde perfeita).
O ICER sózinho não responde a esta pergunta!.

Para facilitar a decisão, foi criado uma espécie de limite máximo para pagar por 1 QALY: o limiar de custo-efetividade. Desta forma, se o limite for R$ 100,00 por QALY, logo, seria vantajoso pagar pelo custo-efetividade do antidepressivo A. Mas, como se define este limiar de custo-efetividade?

Há vários métodos para definir este limiar (Vallejo-Teres et al., 2016; Baker et al., 2011, Thokala et al,2018). Não é o escopo deste texto discutir tais métodos, mas, é importante ressaltar que ainda não há consenso sobre estes métodos e que um país não pode simplesmente importar o limiar de outro país ou arbitrar um valor sem dados empíricos de seu contexto. 

Apesar do limiar de custo-efetividade fornecer um valor numérico que aparentemente soluciona objetivamente o que deve ou não ser pago, há muitos problemas e perigos em se adotar este limiar, principalmente, em um país como o Brasil em que os conhecimentos e estudos empíricos de Economia da Saúde são incipientes. O mau uso deste limiar pode trazer consequências desastrosas, piorando a ineficiência do sistema de saúde. 

Problemas do limiar de custo-efetividade:

1. Mensuração do QALY -

Existem vários métodos para medir o QALY e cada estudo usa um método diferente, comprometendo  a comparação entre os tratamentos.

Não é possivel importar valores de QALY de outros países para o nosso contexto. Embora isso seja uma prática corrente, são necessários estudos empíricos que levem em conta a preferência da sociedade brasileira, as suas variações de efetividade de acordo com o contexto e características dos usuários. Um mesmo tratamento para depressão pode resultar em QALYs diferentes dependendo do contexto, região, comorbidade, adesão a tratamento, etc. Não temos dados de qualidade suficiente sobre o QALY produzido pelas intervenções no contexto brasileiro. 

2. Relevância do QALY

O pressuposto de que 1 QALY é igual para todos os tratamentos é questionável. O valor social de alguns tratamentos podem ser mais relevantes do que outros mesmo que dois tratamentos gerem a mesma quantidade de QALYs. O estudo  de Wettering et al (2016) mostra bem isso, o quanto a população privilegia a gravidade da doença, a idade, e o nível de qualidade de vida, além de outros fatores. Isso é parcialmente corrigido em alguma situações atribuindo-se pesos diferentes ao QALY ou flexibilizando o limiar de custo efetividade (por exemplo, ter um limiar diferente para câncer e doenças raras). Porém, não há transparencia na atribuição destes pesos. A doença mental é claramente estigmatizada e o QALY não captura os benefícios do tratamento mental, o que prejudicaria o investimento em tratamento em saúde mental, por exemplo (Razzouk, 2017).

3. Equidade e QALY
Maximizar a saúde pode parecer promissor, porém, investir somente naquelas intervenções que maximizam a saúde para um grupo é deixar sem tratamento outros grupos que poderiam ter algum ganho de saúde, comprometendo a equidade. 

4. O QALY é uma medida com sérias limitações. Não está disponível para todas as intervenções e não é adequada para todas as intervenções. A comunidade científica em Economia da Saúde está claramente dividida, Enquanto  alguns grupos defendam ardorosamente o QALY (Neuwman, 2018) e o limiar de custo-efetividade, outros grupos advogam que a tomada de decisão seja abrangente e use outras abordagens para valorar a saúde e os tratamentos e que também leve em conta a perspectiva do paciente e da sociedade (Lakdawalla DN et al, 2018). 

5. Limiar de custo-efetividade e desinvestimento

Quando se adota o limiar de custo-efetividade, foca-se no custo de oportunidade. Isto quer dizer que se uma nova intervenção fornece maior benefício em gerar saúde (produz mais QALYs), então, o investimento deve ser feito nesta alternativa, porém, deve-se desistir de investir em um programa já existente que gera menos QALY. Quais as consequências disto?

Imagine que um tratamento para hipertensão gere 4 QALYs e que está em vigor no sistema de saúde. Um novo tratamento que gere 5 QALYs para o tratamento de pneumonia gera "mais saúde". Então, seria lícito e ético deixar de tratar pessoas com hipertensão e tratar pessoas com pneumonia com o novo tratamento? Quais seriam as consequências desta decisão? 

Por outro lado, estabelecido o limiar de, por exemplo, R$10.000,00 por QALY, se um novo tratamento fosse capaz de curar um determinado tipo de cãncer e o custo fosse R$50.000,00 por QALY, seria justo e aceitável ignorar tal tratamento porque não está abaixo do limiar? E se um novo tratamento para uma doença de baixa morbidade e mortalidade fosse R$9900,00? Ela deveria ser incluída no pacote assistencial independentemente das necessidades da população e das alternativas disponíveis?

6. Limiar de custo-efetividade e abusos

Uma vez explicitado o valor do limiar de custo-efetividade, é provável que aqueles que queiram ter suas tecnologias incorporadas ao sistema de saúde, "adaptem" os seus valores para a faixa do limiar de custo-efetividade. Isto facilitaria a incorporação de novas tecnologias apenas por estarem abaixo do limiar e não, necessariamente, porque são relevantes e prioritárias. Por outro lado, a adoção de um limiar poderia influenciar o gestor de tal modo a não avaliar detalhadamente os vantagens e desvantagens de incorporar a tecnologia e aprová-la, automaticamente, de acordo com o limiar, isentando-se da responsabilidade de escolha. Além disso, a participação e a preferência da sociedade ficaria relegada a um segundo plano, ou até seria ignorada. 


O autor do projeto Lei 415 acredita que o limiar de custo-efetividade vai acabar com o desperdício, com a judicialização do tratamento e aumentar a eficiência do sistema de saúde brasileiro. Ele critica o CONITEC por não apresentar explicitamente os critérios de incorporação de novas tecnologias do SUS. Porém, os que defendem este limiar, também arbitram valores baseados em países europeus, em valores norte-americanos e em critérios abandonados pela OMS de 3 x a renda per capita do país! 

O Reino Unido tem décadas de expertise em Economia da Saúde e enfrenta duras críticas com o limiar de custo-efetividade, mesmo com certa flexibilização deste valor. Os Estados Unidos e o Canada não tem um limiar explicito, apesar de algumas referências duvidosas de um limiar próximo aos 50 mil dolares por QALY. Muitos países europeus advogam uma avaliação econômica sob a perspectiva da sociedade e com critérios voltados para o contexto nacional. Cresce a tendência de que a tomada de decisão seja baseada em múltiplos critérios e em abordagens abrangentes e não focadas, exclusivamente, em limiar de custo-efetividade. O uso do QALY está na berlinda nas discussões de Economia da saúde. É possível que ele seja substituído por outros indicadores na próxima década. 

O Brasil precisa de estudos empíricos  de custo-efetividade que usem dados nacionais e levem em conta as particularidades e as necessidades de nosso contexto. Nem tudo que é custo-efetivo precisa ser incorporado no sistema de saúde. É preciso levar em conta um conjuto de critérios como o impacto no orçamento, as prioridades em saúde, o burden, as características epidemiológicas da população, a equidade, a ética, as preferências da sociedade, as alternativas disponíveis, as questões culturais e o tipo de sistema de saúde. Precisamos encontrar uma solução adequada ao nosso país. Isto só é possível através de um melhor conhecimento do nosso contexto, estudos com dados nacionais e avaliações constantes das politicas de saúde. Importar o limiar de custo-efetividade não acabará com o desperdício. Pelo contrário, qualquer tratamento que caia abaixo do limiar será incorporado mesmo sem necessidade ou relevância e, talvez, um tratamento muito relevante nunca seja incorporado. É preciso refletir que a decisão sobre a incorporação do tratamento ao sistema não deve ser baseada,exclusivamente, no seu custo, mas em quanto é relevante, sustentável, prioritário, factível e necessário. Critérios explicitos, transparentes e com a participação da sociedade são salutares, mas, o limiar de custo-efetividade não dará esta resposta, principalmente, neste cenário atual.


Leitura complementar

Baker R et al. Searchers vs surveyors in estimting the monetary value of QALY: resolving a nasty dilemma for NICE. Health Economics Policy and Law 2011:6:435-447.

Lakdawalla DN et al. Defining elements of value in health care´A health economics approach: An ISPOR Special Task Force Reporte 3. Vallue in Health 2018:21:131-139.

Neumann PJ. QALYs in 2018- Advantages and concernss. JAMA 2018; 319:24:2473-2474.

Razzouk, D. Outcomes measurement for economic evaluation. In Razzouk D.Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publishing,pp 35-53, 2017.

Soarez P , Novaes HMD. Cost-effectiveness thresholds and the Brazilian Unified National Health System. Cadernos de Saúde Publica 2017; 33:4:e0040717.cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/75/limiares-de-custo-efetividade-e-o-sistema-nico-de-sade

Thokala P et al. Cost-effectiveness thresholds: the past,the present and the future. PharmacoEconomics 2018:36:5:509-522.

Vallejo-Torres L et al. On the estimation of the cost-effectiveness threshold: Why, what, how? Value in Health 2016; 19:558-566.

Wittering EJ et al. Are some QALYs more equal than others? Eur J Health Econ 2016; 17:117-127.


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Custos invisíveis em Saúde Mental:O impacto no desempenho universitário

25/6/2018

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Tenho tentado explicitar o que é Economia da Saúde neste blog e nas palestras e cursos que ministro aos mais diversos públicos. Como já esclarecido em posts anteriores, a Economia da Saúde está ligada à tomada de decisões (custo de oportunidade), à escolha entre alternativas, visando alcançar o melhor estado de saúde ou de bem estar. Porém, sempre que menciono o termo "custos", observo que a maioria das pessoas associa esta palavra, exclusivamente, aos recursos financeiros ou à administração dos mesmos. O conceito de custos ligado, exclusivamente, ao uso de recursos para produção, manutenção e oferta de um serviço é mais restrito do que o conceito utilizado em Economia da Saúde. 

Diferentemente da visão administrativa e contábil, a Economia da Saúde considera, também, os custos não financeiros e os custos que recaem em outros setores da sociedade.Destes, destaco os custos invisíveis. 

O que são custos invisíveis?

Em geral, custos invisíveis são aqueles que recaem nos pacientes, familiares ou em outros setores da sociedade e, na maioria das vezes, não são considerados nas tomadas de decisão em saúde. As decisões para a inclusão de uma tecnologia ou tratamento no sistema de saúde ou para a alocação de recursos são baseadas em resultados de estudos que usam uma perspectiva mais restrita, como a do provedor do serviço de saúde, na qual os custos invisíveis não são levados em conta.

O texto de hoje aborda os custos invisíveis decorrentes de um transtorno mental que têm impactos negativos no desempenho, tanto de estudantes quanto de profissionais e pesquisadores na Universidade. 

Graduação e pós-graduação

A maior parte dos alunos que ingressa na Universidade está no início da idade adulta. É nesta fase que muitos transtornos mentais se iniciam e que ocorre um substancial abuso de substâncias psicoativas (álcool, drogas e medicamentos). Aliado ao estresse e competitividade do ambiente escolar,  ao aumento de responsabilidades que o curso profissionalizante exige, o bullying, a agressividade e atitudes discriminatórias entre os colegas, as dificuldades de relacionamento, os problemas relacionados à auto-imagem, a escassez de tempo para o sono e atividades de lazer e estilo de vida pouco saudável são fatores somatórios contribuem para a maior vulnerabilidade de adoecimento mental (Brown, 2016). Os custos invisíveis, neste cenário, são devidos ao sofrimento individual e familiar, ao mau desempenho escolar, ao suicídio e acidentes, à pior qualificação profissional e ao isolamento social (Pinheiro et al., 2017). Há alunos que desenvolvem quadros depressivos e não procuram tratamento, seja por ignorância ao tema, seja por resistência a aceitar o tratamento. O primeiro impacto observável é o mau desempenho escolar, com repetência de vários semestres do curso ou o trancamento da matrícula. Alguns desistem do curso, outros voltam anos depois e alguns cometem suicídio.

Os alunos de pós-graduação, também, têm apresentado altos índices de depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental. O jornal britânico The Guardian, publicou, recentemente, uma matéria que destacou o adoecimento mental de um terço dos estudantes de PhD e de como isto tem afetado indiretamente a produção científica e à formação de pesquisadores. Na mesma direção, a Harvard Medical School, recentemente, reconheceu que a saúde mentall deva ser uma prioridade no cenário global. 

Nos casos de pesquisadores e professores, a síndrome de burnout é outra condição silenciosa que prejudica o desempenho profissional, cognitivo e os  relacionamentos no meio acadêmico. O adoecimento mental é lento, silencioso. Os custos invisíveis, portanto, aumentam, progressivamente, até que que os custos diretos de saúde sejam perceptíveis. É crescente o reconhecimento destes custos, porém, tanto aqueles que realizam os estudos econômicos quanto os atores tomadores de decisão em políticas públicas e de implementação de novas tecnologias precisam perceber a pertinência destes custos invisíveis (Trautman et al, 2016).

Quando se avaliam os custos de um tratamento, muitas vezes estes custos "invisíveis" não são computados. Porém, estes custos precisam ser computados!

A maioria dos guidelines em Economia da Saúde preconiza que tanto os benefícios futuros quanto os custos futuros sejam considerados nas avaliações econômicas. Os benefícios, principalmente, na saúde mental, podem demorar semanas, meses ou anos para serem observados. Por isso, muitas avaliações de novos tratamentos ou intervenções que verifiquem seus efeitos em um espaço curto de tempo concluem que tais tratamentos não são custos-efetivos. Por outro lado, os custos relacionados ao suicídio, ao empobrecimento, à violência, ao abandono escolar devidos aos transtornos mentais não costumam ser computados nestas avaliações. 

Vários pesquisadores europeus têm se debruçado em estudar estes custos e desenvolver métodos mais apurados para a mensuração de custos inter-setoriais. Um dos projetos mais arrojados é o PECUNIA, financiado pela Comissão Européia, que desenvolve métodos para estimar os custos de multi-setores, além da saúde. São estes custos que, muitas vezes, impactam negativamente outros setores além do setor da saúde. Frequentemente, os mais afetados são os setores de educação, justiça, ação social e previdência e do trabalho. Porém, ações para prevenir tais custos devem ser pautadas em ações conjuntas entre a Saúde e estes setores.

Não adianta aumentar o arsenal de tratamentos e intervenções se não houver impacto na vida das pessoas. Por outro lado, ignorar as necessidades invisíveis de uma melhor saúde mental, também, pode incorrer em um maior custo para o setor da saúde e para a sociedade em geral. O investimento em saúde mental diminui estes custos invisíveis e possibilita uma vida melhor para o indivíduo e seus familiares.  A ONG Mental Health America mostou bem a evolução dos custos invisíveis com um exemplo de investimento precoce em problemas mentais na adolescência, custando 81 dólares ao ano per capita. À medida que a criança cresce outros custos, 400 x maiores (saúde e justiça), poderiam ser evitados com intervenções precoces. 

O primeiro passo em relação aos custos invisíveis é enxergá-los!!!!

Leitura complementar

Brown, P. The invisible problem?Improving students mental health. Higher Education Policy Institute.HEPPI Report 88.Oxford, 2016.

Mayor of London. London Mental Health: The invisible costs of mental ill health. London, 2014.

​Pinheiro, M., Ivandic,I., Razzouk, D. The economic impact of mental disorders and mental health problems in the workplace. In: Razzouk, D Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publishing, 2017.

Trautman,S. The economic costs of mental disorders.EMBO Reports, 2016.

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Planos privados de saúde e sustentabilidade do SUS: Saúde como negócio ou direito?

21/5/2018

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Enquanto a população agoniza nas filas dos serviços de saúde, uma contundente propaganda sobre a eficiência de serviços de saúde privados vem ganhando visibilidade na mídia. Afinal, a saúde é um direito? O SUS é para todos? O SUS é viável? Planos privados são melhores do que os públicos na assistência à saúde? O que o Estado deve pagar?

Todas estas indagações são legítimas, mas, antes de se afirmar o que o Brasil deveria fazer, é preciso entender o que significa escolher um modelo de assistência em saúde. É comum vermos a população defender o acesso universal ao serviço público de saúde, mas ao mesmo tempo, preferir serviços privados de saúde. Ou ainda, acionar o serviço Judiciário para que todo e qualquer tipo de tratamento seja pago pelo SUS. 

Direito universal x liberdade e soberania

Há, pelo menos, dois modelos teóricos diferentes para a assistência em saúde. Um focado no conceito da saúde como um direito do indivíduo, cabendo ao Estado prover as condições necessárias para o cuidado de saúde. Este é o modelo defendido pela Organização Mundial de Saúde que advoga o acesso universal aos serviços de saúde. O outro modelo é baseado na ideia da saúde como um negócio, onde o indivíduo é livre para escolher o serviço de saúde de acordo com a sua disposição de pagar. Este é um modelo bastante presente nos Estados Unidos, onde diferentes planos e seguros de saúde privados oferecem diferentes pacotes de serviços e preços. Então, a primeira grande diferença está na garantia do acesso à assistência em saúde e na liberdade de escolha individual. 

No modelo em que a saúde é um direito, o Estado se compromete não apenas de garantir o acesso aos serviços, mas, de prover ações que melhorem a saúde do cidadão, seja no que tange à qualidade e à expectativa de vida. Este é o modelo adotado pelo Brasil na Constituição de 1988: "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 

Consoante com a Constituição, o SUS foi criado em 1988 cujos princípios determinam o acesso igualitário aos serviços de saúde, com ações que visem suprir as necessidades de saúde dos indivíduos (integralidade), cuja alocação de recursos priorize as necessidades epidemiológicas da população. Ou seja, os princípios do SUS se pautam na saúde como direito. 

No modelo em que se dá ênfase à liberdade de escolha do plano de saúde pelo cidadão, cada indivíduo decide qual a cobertura e tipo de assistência em saúde que está disposto a pagar. Temos, então, uma relação direta entre o consumidor e o prestador privado do serviço de saúde, que pode seguir as leis do livre mercado ou ser parcialmente regulado por instituições estatais. Enquanto que no modelo anterior o objetivo central era garantir a saúde de uma população, neste modelo, o objetivo é obter lucro (prestador de serviço) e ter um potencial acesso à atendimento em saúde na eventualidade de adoecimento (consumidor). Portanto, os objetivos dos dois modelos não são os mesmos e isto temm implicações para a saúde da população.


Quem paga pelos serviços de saúde?

No modelo em que o Estado custeia o acesso universal aos serviços de saúde, o orçamento para a saúde é estimado a partir do produto interno bruto e os recursos são capturados através de impostos. Ainda que possa haver variação no montante destinado à Saúde, o orçamento é sempre limitado e por isso, os recursos precisam ser muito bem aplicados. 

Na maioria dos países, o Estado sempre custeia alguma parcela da assistência em saúde, mesmo quando se adotam  os sistemas privados de saúde. Porém, nestes casos, o acesso aos serviços não é igualitário e depende de um conjunto de critérios de elegibilidade. Os seguros de saúde, por sua vez, lançam mão de mecanismos que limitam o uso dos serviços de saúde para reduzir os custos e aumentar as margens de lucro, ainda que estas medidas possam impactar negativamente na saúde das pessoas. São usadas as estratégias de co-participação (co-payment), franquias, dentre outras, que inibem o consumidor ao acesso a tratamento. Tanto a vulnerabilidade financeira quanto a emocional fazem com que o indivíduo postergue o tratamento ou gaste mais do possui para obter tratamento (gastos catastróficos). Esta vulnerabilidade do consumidor, aliada à incerteza dos desfechos em saúde e à assimetria de informação constituem o que se chama de falha de mercado, isto é, uma relação econômica assimétrica em que não há autorregulação pelas leis do livre mercado (oferta-demanda).  

Nos dois modelos, o cidadão contribui financeiramente para o acesso aos serviços e as limitações ao tratamento são inevitáveis nos dois casos.  No modelo estatal é fundamental que haja uma gestão eficiente, com transparência nos usos dos recursos, com objetivos claros, com indicadores claros de ganho de saúde e bem-estar da população. No modelo privado, uma regulação eficiente de proteção dos direitos do consumidor e ao acesso a serviços de qualidade  e minimizar os potenciais danos de uma relação econômica assimétrica.

O SUS é viável?

Sim e não!

Os fatores que inviabilizam o SUS:
- má gestão
-desperdício ou mau uso de recursos
- inequidade na oferta dos recursos 
- má distribuição dos recursos
- falta de avaliação e fiscalização sistemática do uso dos recursos e de seus resultados
-transparência no uso de recursos
-  grande variabilidade na qualidade dos serviços
- prioridades e necessidades básicas não são garantidas de fato
- introdução de novas tecnologias sem garantir sustentabilidade do sistema
-subfinanciamento, corte de verbas, atraso nos repasses
- judicialização
- muita variabilidade de qualificação profissional


No atual cenário, o SUS parece inviável porque não se  acionam os mecanismos que possibilitam um funcionamento mais eficiente. Os princípios do SUS de ser igualitário e de focar nas necessidades epidemiológicas da população não estão sendo garantidos e nem respeitados. A totalidade da população brasileira precisa do SUS e os serviços privados não suprem as deficiências do SUS. Ter um plano de saúde privado não garante que todas as necessidades de tratamento sejam atendidas. Por outro lado, a ineficiência da gestão pública não justifica a extinção do SUS. 

Há programas exitosos no SUS e o Brasil avançou em alguns indicadores de saúde nas últimas décadas (ex. mortalidade infantil). Mas, o mau uso dos recursos do SUS inviabiliza que este êxito possa alcançar todos aqueles que necessitam de assistência. A saúde é um dos vértices do Desenvolvimento Sustentável (SDG) e o SUS precisa de uma revisão nos seus modelos de gestão, de uso recursos e de controle de qualidade. O SUS precisa de metas de longo prazo com planejamento detalhado pautado nas necessidades da população. Só adiantará aumentar o financiamento se houver melhor uso dos recursos e com maior transparência. Há de se buscar um equilíbrio entre eficiência, equidade e ética.

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Suicídio entre os jovens:o custo invisível do sofrimento!

23/4/2018

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Há vários relatos na mídia, nos relatórios da OMS e nos dados do Ministério da Saúde sobre o crescimento na taxa de suicídios no Brasil, principalmente, entre os mais idosos e entre os jovens. Enquanto que a média nacional de suicídios gira em torno de 5,5 por 100 mil habitantes, entre os idosos com mais de 70, esta taxa alcança 8,9 por 100 mil e entre os jovens de 15 a 29 anos, esta taxa é de 9 por 100 mil. Dentre os jovens, os estudantes e residentes de Medicina da tem sido apontados como um grupo vulnerável ao suicídio. Em 2017, 6 suicídios ocorreram entre os estudantes de Medicina da USP. Nesta semana, a notícia de que dois estudantes do ensino médio do Colégio Bandeirantes cometeram suicídio em um período de 15 dias volta às manchetes nacionais. 


Há muita especulação e desinformação sobre o tema seja entre as notícias veiculadas na mídia ou entre os comentários do público leigo nas redes sociais. Muitas vezes, as pessoas tentam explicar as causas do suicídio como sendo relacionadas ao excesso de estresse, à falta de amor, à falta de dinheiro, às más condições sócio-econômicas de vida e à negligência parental. Com certeza todos estes fatores exercem um peso em relação à motivação de alguém querer cometer o suicídio. Porém, o que é invisível para a maior parte das pessoas é que 90% das causas do suicídio estão relacionadas aos transtornos mentais. A depressão, a ansiedade, o uso de substâncias (álcool e drogas) e as psicoses constituem as principais causas de suicídio e acometem os jovens, principalmente, no final da adolescência e início da idade adulta. Os jovens são, portanto, um grupo de alta vulnerabilidade para problemas emocionais e psiquiátricos. 

O sofrimento produzido pelos transtornos mentais é enorme e constitui o que se denomina de custos intangíveis (que não é passivel de mensuração), no jargão da Economia da Saúde. Além disso, a morte precoce ou a abreviação deliberada da vida representa um alto custo para a sociedade (custos indiretos). Porém, o que permanecem invisíveis são os sinais que o adoencimento mental emite antes da ocorrência do suicídio. Dentre os sinais precoces estão o isolamento social, a diminuição de performance no trabalho e na escola (perda de ano letivo), a diminuição da memória, insônia, a dificuldade para alimentar-se. a dificuldade de comunicação e de relacionamento, a ingestão contínua de álcool e drogas ou medicamentos para dormir e mudanças de comportamento. As pessoas notam estes sinais, mas não os atribuem às doenças mentais. Em geral, encontram uma causa relacionada aos problemas do dia a dia. Por outro lado, muitos profissionais de saúde, também, não reconhecem estes sinais a tempo de identificar um diagnóstico e realizar um tratamento. As políticas públicas de saúde mental são tímidas no que tange a instrumentalizar os profissionais de saúde e o publico em geral (educadores, pais, líderes religiosos, etc) sobre a identificação de um problema mental em potencial (rastreamento) e o devido encaminhamento para um profissional habilitado. 

O suicídio é a consequência, é o custo de não cuidar da saúde mental das pessoas. As pessoas se assustam e sente-se, naturalmente,  chocadas quando um suicídio ocorre, mas, após algumas semanas ou meses, tudo cai no esquecimento, até um novo evento. O problema da saúde mental não é apenas uma questão de saúde, é uma questão da sociedade como responsável pelos cidadãos. As escolas, as empresas, os governantes, os pais, os líderes de opinião tem um papel decisivo para diminuir os custos invisíveis dos problemas mentais. Políticas públicas preventivas, acesso a tratamento adequado, informação de qualidade, suporte emocional para os indivíduos e famílias (no trabalho e escolas), identificação precoce e acompanhamento dos grupos mais vulneráveis são algumas ações possíveis para minimizar os custos gerados pelas doenças mentais. Em termos econômicos, os custos do suicídio representam uma significante parcela do PIB (1% na Irlanda), mas em termos sociais e individuais, o custo é imensurável. Vários países tem adotado estratégias para prevenir o suicídio, sendo que a principal medida é rastrear e tratar as doenças mentais e combater os fatores de risco (Vasiladis et al, 2015; UK Parliament, 2016, Lewitza, 2015). A meta da OMS é reduzir em 10% a taxa de suicídio até 2020 e o Brasil está alinhado a esta meta e iniciou algumas estratégias de treinamento no tema entre profissionais de saúde. Porém, há o muito o que fazer e todos os setores da sociedade podem contribuir.


Leitura complementar

Vasiladis et al, Implementing Suicide Prevention Programs: Costs and Potential Life Years Saved in Canada. J Ment Health Policy Econ 2015. 18:3:147-155.


 UK Parliament. Services to support people whoo are vulnerable to suicide.  https://publications.parliament.uk/pa/cm201617/cmselect/cmhealth/300/30005.htm

Lewiztka, U. Suicide prevention- it is everybody´s business. BMC Psychiatry ​2015 https://blogs.biomedcentral.com/bmcseriesblog/2015/05/29/suicide-prevention-everybodys-business/

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Qual o valor da saúde mental?

10/4/2018

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Desde o início deste Blog, eu tenho insistido que a Economia foca nas decisões e nos valores de uma sociedade em relação ao uso e distribuição dos recursos escassos para satisfazer as suas necessidades. No caso da Economia da Saúde, a grande discussão se direciona em definir e mensurar o valor da saúde nas diferentes perspectivas. Ao determinar o valor da saúde, segue a discussão sobre o quanto de recursos estamos dispostos a disponibilizar afim de obtermos o maior ganho de saúde possível. 

Na Economia da Saúde, o ganho em saúde é mensurado tanto em quantidade (aumentar expectativa de vida) como na qualidade de vida (diminuir uma deficiência ou recuperar totalmente a saúde). Dentre as possibilidades em se medir o ganho em saúde, destaca-se o QALY (Quality -Adjusted Life Years), um indicador que mensura, simultaneamente, o ganho em saúde tanto em quantidade como em qualidade de vida. Um QALY representa um ano de saúde perfeita. 

A medida do QALY é obtida através da identificação e quantificação das preferências dos indivíduos em relação aos tratamentos e aos estados de saúde. Uma das técnicas para se verificar a preferência é o standard gamble, através do qual o  indivíduo expressa suas escolhas, variando-se a probabilidade de morte, diante de um cenário de possível cura ou morte com um determinado tratamento. Quanto maior for a preferência, maior será o valor QALY. Mas, será que as preferências sempre estão direcionadas ao ganho de saúde? Provavelmente, não. São vários os fatores que interferem nas preferências dos indivíduos, mas, antes tudo, as preferências estão relacionadas aos valores individuais e aos da sociedade. (Garrinson et al., 2017)

Discute-se muito na literatura de Economia da Saúde sobre a preferência  das pessoas para que as políticas públicas financiem tratamentos para aqueles doentes mais graves, com maior risco de morte e com maior grau de vulnerabilidade (pobreza), independentemente do quanto um tratamento é eficaz, custoso ou das necessidades epidemiológicas da população. Por outro lado, sendo o sistema de saúde de cobertura universal ou privado, o que passa a ser relevante para a saúde da população pode se contrapôr à saúde do indivíduo (Garrinson et al, 2018). A perspectiva do gestor público, do provedor do serviço privado e do paciente são bem diferentes quanto ao que considerar mais relevante em termos de valor (Perfetto et al, 2017).

Se há divergências entre o entendimento do que é um ganho valioso em saúde (Sha et al., 2012; Garrinson et al, 2018), na saúde mental este cenário é ainda mais nebuloso. Todo mundo quer ser saudável e ter acesso a tratamento, porém, pouco se discute a cerca das consequências para a sociedade de tais preferências. Atualmente, há um movimento em prol da promoção do bem-estar e da saúde mental, porém, quais são as preferências da população para o tratamento e cuidado das pessoas com doenças mentais? O que significa ganho em saúde mental?

Enquanto que em muitas especialidades médicas, o ganho em saúde seja direta ou indiretamente quantificado pela eliminação de sintomas físicos,  recuperação da autonomia física e prolongamento da vida, a delimitação do que é um ganho em saúde mental é bem mais complexa (Razzouk, 2017).

Recentemente, no Value in Health de fevereiro 2018, vários autores trouxeram discussões interessantes sobre o valor da saúde e dos elementos que podem ser considerados para que os gestores incluam ou não um tratamento no serviço de saúde. Estes autores propuseram uma série de componentes baseados nas preferências dos indivíduos, mas nenhum dos elementos elencados eram relacionados com a saúde mental. 

Quando uma pessoa apresenta uma doença mental ela perde muito mais do que a sua saúde. Ela perde o emprego, oportunidades, relacionamentos, direitos civis e muitas vezes, os direitos civis, a liberdade de escolha e a capacidade de gerir a sua própria vida. Os tratamentos permitem que estas pessoas não apenas se livrem do sofrimento dos sintomas mentais, mas, também, recuperem suas vidas, globalmente. O maior ganho em saúde mental é conseguir gerenciar a própria vida, resgatar sua autonomia como pessoa e exercer um papel na sociedade. Mas, este ganho é invisível. Não há ganho em saúde mental sem investimento em tratamento e nos cuidados destas pessoas. 

Os estudos sobre preferências em relação às doenças mentais mostram claramente o estigma e o pouco valor que muitas pessoas dão ao tratamento das doenças mentais e às pessoas que necessitam destes cuidados. As técnicas usadas em Economia da Saúde, dificilmente, capturam todo o benefício dos tratamentos das doenças mentais. Isto se reflete na quantidade e forma como os recursos são alocados para a Saúde Mental. 

Há muito o que se discutir sobre o valor da saúde, mas é necessária uma discussão mais detalhada sobre valor da saúde mental. Os instrumentos disponíveis para mensurar os ganhos em saúde mental concentram-se na alteração da quantidade dos sintomas mentais, na melhora da funcionalidade de um modo global. Apesar do QALY ser utilizado na Saúde Mental, há vários problemas com esta medida para aferir o valor do ganho em saúde mental. Ainda que seu  valor seja reconhecido, haverá repercusão no montante investido em saúde mental? A equidade é, frequentemente, defendida como um modo de prover os serviços de saúde de uma forma mais justa, dando igual acesso às pessoas de maior vulnerabilidade econômica. As pessoas com doenças mentais também apresentam alta vulnerabilidade quanto às perdas de oportunidade, de desempenho social, econômico e psicológico. O que falta para que o valor da saúde destas pessoas seja considerado? O que faz um sociedade ser solidária apenas com um determinado tipo de adoecimento e sofrimento?

 

​Leitura complementar

Garrinson LP et al. Toward a Broader Concept of Value: Identifying and Defining Elements for an Expanded Cost-Effectiveness Analysis. Value In Halth 2017; 20:213-216.


Perfetto et al Value to Whom? The Patient Voice in the Value Discussion. Value in Health 2017; 20:286-291.

Razzouk, D. Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Cham, Springer International Publishing, 2017.


Shah, K., Praet, C., Devlin, N., Sussex, J., Appleby, J. and Parkin, D. Is the aim of the English health care system to maximize QALYs? Journal of Health Services Research & Policy, 2012;17(3), pp.157-163. ​https://www.ohe.org/publications/aim-health-care-system-maximise-qalys-investigation
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Distorções dos princípios e do uso de recursos do SUS:alocação de recursos não baseada em evidência científica, ética, equidade e custo-efetividade. O exemplo dos tratamentos alternativos (práticas integrativas).

15/3/2018

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É interessante notar que algumas pessoas possam se irritar ao comprarem um medicamento sem princípio ativo ("com farinha dentro"), mas não se importam se este gasto for realizado com recursos públicos! Um indivíduo é livre para escolher como gastar seus recursos, ainda que a assimetria de informação (desconhecimento técnico) possa levá-lo(a) a fazer escolhas pouco vantajosas. Porém, o uso de recursos públicos não pode e nem deve ser alocado segundo princípios individuais. Um gestor administra os recursos que toda a sociedade se esforça para produzir. Desta forma, os investimentos e gastos públicos precisam ser destinados para atender as necessidades e prioridades da saúde de uma população. A tomada de decisão é sempre um ato complexo que envolve uma combinação de critérios que precisam ser bem embasados. 

O primeiro embasamento é o técnico-científico: o tratamento é de fato eficaz, eficiente, seguro, livre de danos substanciais e largamente testado em pesquisas científicas de alta qualidade? 
Ignorar os princípios científicos resulta em sérios danos para a  população. Todo o avanço da Medicina e de outras áreas da Saúde ocorreu em decorrência dos avanços científicos. Se a expectativa de vida aumentou, isto ocorreu, principalmente, pelo avanço científico!

O segundo embasamento (não menos científico) é o epidemiológico: quais são as necessidades da população, quantas pessoas necessitam de intervenções, em qual contexto é necessário disponibilizar tratamento (áreas de risco), quais são as prioridades imediatas e a médio prazo e quais devem ser as medidas preventivas? 

O terceiro embasamento é o da disponibilidade de recursos: quantos recursos estão disponíveis, quantos recursos são necessários,quais as alternativas custo-efetivas, quais as estratégias para otimizar recursos?Qual será o período de tempo em que será possível financiar estas intervenções? Quais serão as consequências destas escolhas (custo de oportunidade)?

O quarto embasamento engloba a ética e a equidade: de que forma uma decisão provoca danos a outros ? Como distribuir os recursos de tal forma que todos que precisem possam recebê-los?Como posso justificar a minha decisão em relação à sociedade? A decisão é justa e aceitável? (Leia também o texto Ferraz, et al.2009).

Estes são alguns critérios que os gestores precisam levar em conta na alocação de recursos da Saúde. Uma má escolha implica em um alto custo de oportunidade, isto é, em danos para outras pessoas que não receberão tratamento.

Nesta semana, o Ministério da Saúde anunciou a inclusão de 10 "terapias alternativas" no SUS, sob a designação de Práticas integrativas: apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais!(Revista Veja, 2018) Algumas pessoas comemoraram a decisão sem pensar nas consequências, enquanto que pesquisadores, profissionais de saúde, conselhos e instituições de saúde manifestaram seu repúdio com justificativas bem embasadas. 

A ideia deste post não é criticar opiniões pessoais, nem defender classes profissionais, partidos políticos ou outros conflitos de interesse. O objetivo deste post é o de alertar e o de informar como uma decisão deste tipo impacta na saúde das pessoas, em especial, naquelas que dependem, exclusivamente, do SUS. Convido a todos para uma reflexão isenta de paixões e gostos pessoais.

A denominação  tratamentos "alternativos" ou "práticas integrativas" pode sugerir pelo menos três interpretações: a)a de que é possível escolher entre a prática alternativa e o tratamento convencional; b) a de que práticas integrativas são mais abrangentes e completas e que tratam o indivíduo como um todo (holística); c) que estas práticas são complementares, eficazes e já comprovadas por estudos prévios.


A primeira interpretação é equivocada. Nenhuma destas práticas pode substituir os tratamentos convencionais. Não é uma questão de preferência, é uma questão de eficácia, segurança e efetividade. Substituir um tratamento convencional por um alternativo pode causar danos, incluindo a morte. Toda nova prática e tratamento precisam ser comparados com as práticas convencionais para se verificar quais os benefícios que eles realmente proporcionam, quais os seus riscos e em quê eles são melhores ou piores do que os tratamentos disponibilizadas no SUS. Isto só é possível através de pesquisas científicas de boa qualidade. Ainda que algumas pessoas possam relatar bem-estar com essas práticas, esta não é uma justificativa suficiente para se consumir os recursos do SUS. Existe o efeito placebo e gastar recursos com ele não é a melhor solução! A definição de saúde e de promoção de saúde tem sido muito banalisada, levando ao entendimento de que qualquer ação que promova sensação de bem-estar é promotora de saúde. Isto não é verdade! E o SUS não é um centro de entretenimento e de promoção de satisfação e bem-estar no sentido genérico. A necessidade mais premente da população está no controle das doenças infecciosas, cardiovasculares, diabetes, obesidade, doenças mentais, câncer, mortalidade infantil, desnutrição, dentre outras. Portanto, os recursos precisam ser direcionados para o tratamento eficiente destas necessidades e não podem ser desviados para práticas não devidamente testadas. A primeira consequência é que faltem recursos para tratar, por exemplo, uma criança com doença infecciosa e que necessite de um antibiótico.
Parece improvável? Não. No Estado do Rio de Janeiro, muitos usuários do SUS recorreram à judicialização para comprar  AAS (acido acetil salicílico), digoxina (medicação para doença cardíaca), furosemida (diurético), captopril (para hipertensão). Todas estas medicações estavam incluídas na lista de medicamentos do SUS mas não foram fornecidas!(Pepe et al, 2010).
Em outro estudo sobre a judicialização no Estado de Minas Gerais, verificou-se que apenas 53,5% das medicações solicitadas por via judicária tinha eficácia comprovada (Machado et al, 2011)!

A segunda interpretação diz respeito ao termo holístico, ou seja em sua integralidade. O uso do termo holístico é, frequentemente, mal empregado. Em geral, é utilizado para referir tratamentos humanizados e individualizados e não aqueles focados na doença. Mais uma vez, há um equívoco. A abordagem do profissional de saúde tem que ser "holística", humanizada e individualizada, isto é inquestionável! Porém, as intervenções são específicas para um determinado fim. Não existe nenhum tipo de intervenção ou prática que cure todas as doenças/sintomas e que trate o indivíduo como um todo!!! Tratar um indivíduo como um todo é avaliar suas necessidades físicas, mentais, dentro do seu contexto socio-cultural e econômico, através de uma relação profissional humanizada, mas, com o emprego de intervenções bem testadas e seguras. A apiterapia foi uma das práticas "holísticas" incorporadas no SUS. Qualquer medicação nova precisa ser testada quanto aos efeitos adversos. O uso de veneno de abelha(apiterapia) pode causar choque anáfilatico e morte, além de outros efeitos. Ainda que alguns estudos estejam em andamento sobre esta substância, a sua incorporação ao rol de procedimentos do SUS (leia este texto sobre apiterapia escrito por um pesquisador PhD em Epidemiologia, Thomas Pirelli : O veneno da abelha foi considerado de alto risco em mais de 145 pesquisas no mundo!) é prematura e irresponsável. Terapias denominadas "naturais", "não industrializadas" também podem causar morte e efeitos adversos. O maior problema destas terapias é o de não ser devidamente testadas quanto aos riscos e aos efeitos.

A terceira interpretação é sobre as pesquisas já realizadas com estas práticas. Muitas pesquisas que relatavam efeitos benéficos destas práticas tinham problemas graves de metodologia científica, isto é, a qualidade científica não era suficiente para que os resultados fossem aplicados. Outras relataram os efeitos adversos, mas a maioria das pesquisas ainda não permitem confirmar tais efeitos. Um dos exemplos é sobre a imposicão das mãos. À título de exemplo, uma pesquisa (Marta et al, 2010) concluiu que o toque terapêutico é efetivo na diminuição da dor, nos escores de auto-avaliação de depressão e na melhora da qualidade do sono. Quais os problemas metodológicos desta pesquisa?

O tipo de estudo para avaliar se um tratamento apresenta eficácia e efetividade é o ensaio clínico. Este tipo de estudo prevê uma comparação entre dois grupos: um que recebe o novo tratamento e outro que recebe o tratamento atual ou ainda um placebo. As pessoas que participam deste tipo de experimento têm que ser distribuídas para os diferentes grupos SEM saber que intervenções vão receber e sem escolher os grupos (a isto dá-se o nome de randomização). Além disto, quem avalia os efeitos não pode saber a que grupo os individuos pertencem (A isto dá-se o nome de duplo cego: nem o indivíduo e nem o avaliador sabem da intervenção) . Além disto, é necessário escolher um único efeito a ser estudado e determinado o tamanho da amostra (isto é, o número de participantes no estudo).Não vou me alongar mais em outros detalhes.

No caso deste estudo, os autores relataram terem feito um ensaio clínico, sem grupo controle, só comparando o antes -depois. Isto não é aceitável do ponto de vista metodológico e este estudo não constitui um ensaio clínico. Além disto, o tamanho da amostra foi de 30 participantes, o que é insuficiente. A avaliação foi feita imediatamente antes e depois da sessão, o que poderia propiciar resultados distorcidos (vièses). Além disto, o teste estatístico usado não foi adequado. Enfim, este é um exemplo de pesquisa científica cujos resultados não podem ser usados para embasar uma decisão de incorporação desta prática no SUS. 

Quero deixar algumas questões para reflexão:

- É ético usar os recursos do SUS, que poderiam ser usados para salvar a vida de  crianças e adultos, em práticas não suficientemente testadas?
- É justo adotar práticas não testadas e não prioritárias às necessidades da população, principalmente para os que dependem exclusivamente do SUS?
- É justificável não fornecer tratamentos e medicamentos que já estão incorporados ao SUS por "falta de recursos" para incluir novos procedimentos não prioritários e não eficazes?
-É economicamente justificável consumir os recursos do SUS na judiciliazação se estes tratamentos poderiam ter sido disponibilizados de acordo com a necessidade impedindo tais ações?
-Há recursos financeiros em excesso que justifiquem a incorporação de práticas não testadas?
- Há embasamento técnico para incorporar tais práticas sem o aval de comitês técnicos especificos para a avaliação de novas práticas e tecnologias?
- Há verificação das potenciais consequências para tal decisão? Quem ganha e quem perde?

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Leitura complementar

FERRAZ, Octávio Luiz Motta  and  VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Dados [online]. 2009, vol.52, n.1, pp.223-251. ISSN 0011-5258.  http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582009000100007

Pepe et al. Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(3):461-471, mar, 2010


Machado, M et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas Gerais, Brasil.Rev Saúde Pública 2011;45(3):590-8.

Marta, et al. Efetividade do Toque Terapêutico sobre a dor, depressão e sono em pacientes com dor crônica: ensaio clínico.Revista da Escola de Enfermagem da USP, 2010;.44:4:1100-1106.










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Custo-efetividade de tratamentos em Saúde Mental: Serviço público de saúde x paciente e família x sociedade

7/3/2018

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 Nos posts anteriores, eu expliquei o valor da eficácia e da efetividade do tratamento. Eficácia se refere à capacidade de um tratamento produzir um determinado efeito (melhora de sintomas, por exemplo). A efetividade se refere à manutenção deste efeito em contextos reais e heterogêneos. Por exemplo, se uma medicação é eficaz para diminuir os sintomas depressivos, a sua efetividade pode variar se o paciente não tomar a medicação adequadamente, produzindo um efeito menor do que a medicação seria capaz de proporcionar. No custo-efetividade de um tratamento, queremos saber o quanto pagaremos por um efeito (benefício) em um contexto real. O custo-efetividade é sempre uma comparação entre as alternativas que tem eficácia comprovada. Queremos saber qual delas é mais vantajosa em termos de custos e benefícios.

Isto parece simples e intuitivo porque a maioria das pessoas ao comprar um serviço ou produto pensará nos benefícios que alcançará e o quanto vale à pena pagar por ele. Porém, o custo-efetividade de um tratamento engloba outras questões menos óbvias. 

A forma de se mensurar o custo de um tratamento varia com a perspectiva. Na perspectiva do SUS, o Ministério da Saúde está interessado em quanto ele desembolsará para a disponibilização de um tratamento. Porém, este valor que o Ministério paga (reembolso) é só uma parte dos custos reais de um tratamento. Mas, se considerarmos uma perspectiva do provedor público de serviço local, as Prefeituras e os Estados também arcam com uma parte dos custos e estão interessados nessa fração. Isto pode causar problemas na gestão de serviços se a inclusão de novas tecnologias em saúde só levar em conta os reembolsos federais e ignorarem os custos reais que recaem nas Prefeituras e Estados.


Os custos do tratamento vão além dos custos dos provedores de saúde. Tanto o paciente quanto seus familiares também arcam com os custos do tratamento (denominado custo informal), seja com os custos com o transporte, medicamentos, cuidadores, adaptações estruturais da casa às necessidades do paciente, perda de horas de trabalho, desemprego e outros custos associados. Então, pela perspectiva do paciente e dos familiares, os custos que interessam são outros. Se ampliarmos esta perspectiva para toda a sociedade, os custos são ainda maiores e atingem outros setores. Por exemplo, no caso de uma pessoa com problemas com o álcool que dirige embriagada e causa acidentes e mortes, existem vários custos denominados custos indiretos) que recaem sobre outras pessoas. 

Quando realizamos um estudo de custo-efetividade é necessário determinar sob qual perspectiva estes custos serão mensurados. Dependendo da perspectiva e dos custos incluídos no estudo, um mesmo tratamento pode ser custo-efetivo em uma delas e não ser em outra. Imaginemos um caso em que  a pessoa tem uma psicose e tenha um comportamento agressivo com os familiares. Qual o tratamento será mais custo-efetivo?

A resposta é : Depende! Se for um estudo com a perspectiva do SUS em que os custos dos serviços e das medicações são incluídas, os benefícios serão analisados, em geral, por medidas de eficácia clínica (redução de sintomas psicóticos, por exemplo). Caso não hajam diferenças entre a eficácia entre duas medicações, a que for menos custosa será mais custo-efetiva. Se a perspectiva for a do paciente e da família, e uma das drogas tiver benefício em diminuir o comportamento agressivo contra os familiares, mas mantenha os mesmos sintomas psicóticos, então, o tratamento que diminuir o comportamento agressivo poderá ser mais custo-efetivo se causar menos sofrimentos e custos para a família. 

A maioria das doenças mentais causa custos indiretos (custos que recaem em outros setores da sociedade que não os serviços de saúde). Para se verificar se um tratamento é custo-efetivo, muitos estudos só levam em conta os custos com os serviços de saúde. Quando estes estudos adotam estas perspectivas, eles deixam de analisar benefícios adicionais para o paciente, familiares e outros setores da sociedade.

A escolha da perspectiva mais abrangente é a da sociedade, mas, em geral os gestores públicos repudiam a mensuração de custos indiretos. Porém, a maioria das intervenções em Saúde Mental tem impacto em diminuir os custos indiretos.  Porém, não há consenso sobre qual é a melhor decisão a tomar para não sobrecarregar os custos da área da Saúde (Shearer et al, 2017). O custo com o cuidado informal (Wheatherly et al 2017, realizado por cuidadores e família é extremamente relevante e deveria ser levado em conta na análise dos tratamentos, principalmente, pelos custos (gastos catastróficos, perda de renda) que uma doença mental pode acarretar. Familiares cuidadores de pessoas com Demência perdem renda e trabalho por causa do cuidado informal. Este é um custo invisível e qualquer tratamento que produza um benefício em evitar o impacto deletério na renda e na saúde do cuidador precisa ser considerado. 

Na Economia da Saúde, um benefício tem que ser relevante para a saúde e bem-estar do paciente (e isso inclui outros aspectos que não a eficácia para alguns sintomas clínicos). Ou seja, não basta produzir um efeito, este efeito tem que modificar a qualidade de vida do paciente. O conceito de benefício está relacionado ao seu valor, à sua importância na vida do paciente. Em Saúde Mental, há muita dificuldade em se escolher qual o benefício mais relevante a se medir: sintomas clínicos, qualidade de vida, autonomia, etc. Geralmente, é um conjunto de benefícios (desfechos) que impactam de fato na vida do paciente (Razzouk,2017).

Portanto, uma avaliação de custo-efetividade de um tratamento que adote uma perspectiva muito restrita que não avalie os benefícios relevantes e os custos para a família podem não impactar de fato na saúde do paciente. Estes estudos, isoladamente, são insuficientes para a tomada de decisão de alocação de recursos e para o desenho de políticas públicas. 



Leitura complementar:

Weatherly,H et al. Quantifying informal care for Economic evaluation in Mental Health. In: Razzouk, D . Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer, Cham, 2017. ​http://www.springer.com/br/book/9783319552651

Shearer, J. et al. Reflections on the NICE decision to reject patient production losses. International Journal of Technological Assessment in Health Care 33, Issue 6 2017 , pp. 638-643  https://doi.org/10.1017/S0266462317000952https://www.cambridge.org/core/journals/international-journal-of-technology-assessment-in-health-care/article/reflections-on-the-nice-decision-to-reject-patient-production-losses/E7796513B8D6C251329414A0A3EEEBB0

Razzouk, D Outcome measurement for economic evaluation. In Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer, Cham, 2017. ​http://www.springer.com/br/book/9783319552651

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Os testes genéticos para a Depressão: os custos de uma informação distorcida

7/2/2018

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No penúltimo post, discuti o conceito de assimetria de informação que ocorre na área da Saúde: o conhecimento médico-científico é muito maior do que o conhecimento que um leigo pode ter de sua própria enfermidade. Muitas vezes, o leigo obtém a informação distorcida em fontes que não são técnicas, seja na mídia ou no ambiente digital. A análise crítica de uma informação científica requer treinamento. Porém, nem sempre o leigo tem a oportunidade de consultar os especialistas. As notícias chegam através de "merchandising"  ou publicidade com forte apelo mercadológico e guiados por conflitos de interesses de quem comercializa um produto ou serviço. Outras vezes, a informação explode na mídia de forma bombástica, sensacionalista ou emotiva. Todos estes elementos contribuem para a formação de opinião do leigo que direciona as suas escolhas muitas vezes sem um embasamento mais sólido. 

Na última semana, uma notícia ocupou espaços significativos na mídia: a necessidade de testes genéticos para o tratamento da depressão. Uma frase utilizada pelo jornalista ressaltava que todo o tratamento que recebera em sua vida estava errado porque este teste não havia sido realizado antes e que somente com este teste seu tratamento foi eficaz. Muitos colegas psiquiatras relataram que ao longo da semana, seus pacientes solicitavam o tal teste genético para depressão. Outros, esperavam, ansiosamente, que este teste pudesse constar dos procedimentos do SUS. Qual é o impacto de um relato "inocente" sobre uma experiência positiva de um jornalista conhecido? É disto que trata este post.

Vamos aos fatos. Na Medicina, as descobertas de novos tratamentos levam anos e décadas. São vários experimentos de laboratório e posteriormente, estes experimentos se estendem para a população (pesquisa clinicas). São necessários vários exeprimentos para se verificar se um tratamento funciona, para quem funciona e quais os riscos, efeitos colaterais e adversos à saúde do indivíduo. Além disso, são feitos testes comparativos deste efeito para se verificar se o efeito é maior do que o efeito placebo. Um placebo é uma "pílula" que não contém nenhum medicamento dentro (princípio ativo), porém, muitas pessoas quando ingerem tal comprimido melhoram de seus sintomas por um efeito psicológico (efeito placebo). Para se obter uma evidência científica, uma medicação tem que ser melhor do que o placebo. Portanto, se alguém ingere uma medicação e melhora, não se pode atribuí-la ao efeito da medicação se esta não for comparada ao placebo.

Quando a eficácia do medicamento (melhora dos sintomas) é maior do que a do placebo, temos a chamada evidência científica e não apenas uma impressão pessoal e subjetiva de melhora. A importância disto é que sabemos que este efeito será estável e que ocorrerá em boa parte das pessoas que usarem esta medicação. Além disso, não disperdiçaremos recursos com uma medicação de efeito incerto. Portanto, o custo também é um elemento importante. Na Economia da Saúde combinamos os efeitos e os custos  (custo-efetividade) para compararmos os tratamentos e verificarmos qual deles é mais benéfico a um custo aceitável. 

Os testes genéticos existem há mais de uma década, mas ainda faltam muitas evidências quanto `a sua eficácia, utilidade e necessidade (Roy-Byrne, 2017). Não restam dúvidas que os avanços da genética são promissores e que novas tecnologias são atrativas. Porém, antes de recomendar estes testes na prática clínica, são necessárias várias etapas. 

Estudos genéticos na depressão

​Os estudos genéticos que avaliaram pessoas com depressão identificaram um grupo de pessoas que teriam uma "alteração genética" (polimorfismo do gene transportador da serotonina; alterações no metabolismo dos antidepressivos e alterações na neurotransmissão da serotonina) que prejudicaria a resposta ao tratamento com antidepressivos do tipo Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (por exemplo, fluoxetina, paroxetina, sertralina etc) (Fabri et al, 2015, 2016). A serotonina é uma substância cerebral (neurotransmissor) que está ligada à Depressão. Algumas pessoas com estas alterações genéticas e sob situações estressantes teriam maior risco de desenvolver depressão e responderiam de modo diferente ao tratamento. Estes estudos foram realizados, principalmente, em norte-americanos e europeus. Alguns estudos mostraram que 19% das pessoas teriam uma alteração genética com maior risco para depressão (gene SS) e que entre 7 a 10% desta população teria alguma alteração para metabolizar os antidepressivos (eliminar a droga muito rápido ou muito devagar, levando a alterações na resposta ao tratamento). Porém, as alterações genéticas são parcialmente responsáveis pelo aparecimento da depressão e pela má resposta ao tratamento. Há estudos mostrando que a genética é reponsável por menos de 42% da má resposta ao tratamento nestas pessoas (Peterson, et al 2017). 

​O que são estes testes genéticos?

Os testes genéticos servem para identificar estas alterações genéticas (polimorfismos: metabolismo de antidepressivos citocromo P450, transportador de antidepressivo ABCB1, transmissão serotoninérgica SLC6A4, HTR2A, dentre outros). Eles não fazem o diagnóstico de depressão! O diagnóstico da depressão continua sendo clínico, isto é, somente uma avaliação psiquiátrica extensa pode determinar a presença de depressão. Existem várias causas para a depressão e as pessoas não respondem igualmente ao tratamento, independentemente de terem ou não alterações genéticas. 

O que dizem as avaliações científicas destes testes?

São poucos os estudos disponíveis e bem conduzidos até o momento. Peterson et al, identificaram 477 estudos e somente 13 apresentavam alguma avaliação sistemática e somente dois eram ensaios clínicos. Porém, todos tinham problemas metodológicos importantes, as amostras estudadas eram muito pequenas (menos de 150 pessoas) e o tempo necessário para avaliar a melhora dos sintomas era muito curto (5 semanas). Alguns resultados foram promissores, mas ainda são inconclusivos. De modo geral estes estudos mostraram que para cada 3 pessoas que faziam os testes (CNS Dose , ABCB1 genotyping) 1 tinha melhora dos sintomas depressivos.Mas, não encontraram diferenças entre fazer e não fazer o teste GeneSight. 

Em outra revisão sistemática recente, não foram encontradas diferenças entre fazer e não fazer o teste em dois ensaios clínicos. Nesta revisão, Rosemblat et al (2017)  demonstrou que a maioria dos estudos era patrocinada pelas indústrias envolvidas na comercialização do teste e que os problemas metodológicos impediam alguma conclusão favorável aos testes.

Em resumo, ainda é incerto quem se beneficiaria destes testes e qual benefício ele realmente acrescenta. São importantes estudos mais longos para verificar se os efeitos são relevantes e estáveis. Porém, o custo destes testes é bem alto.

Estes testes são custo-efetivos?

Não há no momento bons estudos econômicos empíricos ( isto é com dados reais em uma população) disponíveis. A maioria dos estudos são modelagens que se baseiam em dados da literatura e as conclusões são conflitantes. Um estudo econômico de modelagem (Olgiati, 2012) comparou o custo-efetividade destes testes em países europeus de baixa, média e alta renda. Embora o teste pudesse apresentar custo-efetividade para os países de alta renda, ele só seria custo-efetivo em países de média renda se seu custo fosse 30 x menor! Não há estudos econômicos em outros paises de baixa e média renda e o custo de tais testes não justifica a sua implementação nestes contextos principalmente porque seus benefícios não estão comprovados e o custo é muito alto. 

Cuidados na interpretação dos estudos econômicos

Ainda faltam estudos econômicos robustos que mostrem que tais testes são custo-efetivos. Porém, é necessário estar atento a determinados argumentos "econômicos" que na verdade não são de fato justificativas de custo-efetividade. Um exemplo disso é a afirmação de Peter Foster: " Data from the STAR*D NIMH sponsored trial on the treatment of depression suggests that around 15% of patients who have failed two trials will respond to a third agent (or augmentation), and it is this group of patients who were shown to preferentially respond to TMS as opposed to another medication trial (and TMS costs around 30,000$ for a course of treatment) so it seems reasonable to use these tools (which cost between 1500 and 3500$) to guide selection of a medication if the tools can significantly increase the response rate"

Esta argumentação é questionável porque:
- primeiro é necessário realizar um estudo que compare os efeitos do uso do teste genético e da estimulação transcraniana,
- segundo- os custos a serem medidos não se referem apenas ao custo do teste e da aplicação de tms! Os custos devem ser medidos de forma abrangente ( por exemplo, medir a utilização de todos os serviços e tratamentos realizados no período do estudo). Se por algum motivo, um tratamento melhora os sintomas, mas, simultaneamente, provoca o consumo de algum outro serviço (por exemplo ir ao pronto socorro por algum efeito colateral) este custo precisa ser computado. 
- terceiro é necessário verificar para qual grupo este teste pode ser de fato benéfico


Portanto, não se define que um tratamento vale à pena pelo o seu custo, mas pelo quanto vale o benefício que ele promove! Isto precisa ser avaliado em cada contexto (país), não pode, simplesmente, ser importado de outro país. Um sistema público de saúde não pode se guiar por novas tecnologias caras testadas em outros países, sem avaliar a relevância e os efeitos reais no contexto nacional. Os estudos científicos são necessários e fundamentais para que a tomada de decisão não seja guiada por pressuposições que não se confirmam. O custo de oportunidade de destinar recursos para tratamentos e tecnologias mal testadas põe em risco a saúde de milhões de pessoas.
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Leitura complementar

Fabri et al. Consensus paper of the WFSBP Task Force on Genetics: Genetics, epigenetics and gene expression markers of major depressive disorder and antidepressant response.The World Journal of
Biological Psychiatry, DOI: 10.1080/15622975.2016.1208843



Fabri et al Pharmacogenetics of Major Depressive Disorder: Top Genes
and Pathways Toward Clinical Applications.Curr Psychiatry Rep (2015) 17: 50
DOI 10.1007/s11920-015-0594-9

Olgiati, P 
Should pharmacogenetics be incorporated in major depression treatment? Economic evaluation in high- and middle-income European countries. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry 36 (2012) 147–154

Peterson et al Rapid evidence review of the comparative effectiveness,
harms, and cost-effectiveness of pharmacogenomics-guided
antidepressant treatment versus usual care
for major depressive disorder. Psychopharmacology 2017;
DOI 10.1007/s00213-017-4622-9


Rosenblat JD et al. Does pharmacogenomic testing improve clinical outcomes for major depressive disorder? A systematic review of clinical trials and cost-effectiveness studies. J Clin Psychiatry 2017 Jun; 78:720. (http://dx.doi.org/10.4088/JCP.15r10583)

Roy-Byrne et al When Genetic Testing Is Unproven: The Case of Depression Treatments. NEMJ, 2017.

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O impacto da Depressão na Economia Mundial vem à tona no Fórum Econômico em Davos: Tratamento da Depressão não é gasto, é investimento!

27/1/2018

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Na semana do Fórum Mundial Econômico em Davos, o tema da Depressão teve seu destaque no que tange ao impacto que ela causa na sociedade, na economia e na qualidade de vida de mais de 320 milhões de pessoas. Finalmente, líderes mundiais abriram algum espaço na agenda para encarar os inegáveis impactos desta doença mental. Sim, uma doença mental! Não se trata do estresse do cotidiano ou de um problema emocional gerado por alguma situação conflituosa. A depressão tem sido banalizada, mal identificada e mal tratada. O termo depressão virou sinônimo de qualquer mal-estar, contrariedade, tristeza ou desconforto e  profissionais de todas as áreas sentem-se qualificados a indicar algum tratamento ou “técnica inovadora”, sem a menor noção das consequências que isto pode causar. Está na hora de encararmos seriamente a depressão como um transtorno psiquiátrico que merece ser corretamente identificado e tratado por profissionais qualificados e que as políticas públicas de saúde garantam o acesso ao tratamento adequado para quem precisa.
 
Existem vários tipos de depressão e suas causas não são iguais! Na realidade, não é possível se identificar uma única causa para a depressão. Ela ocorre a partir de uma combinatória de vários fatores e ao contrário do que se imagina, não basta ter um ambiente agradável e uma vida balanceada para tratar a depressão. Uma vida com hábitos saudáveis ajuda em muito a minimizar o aparecimento de muitas doenças, mas não impede o adoecimento. Desta forma, a privação de luz, de sono e de determinados nutrientes podem ser fatores disparadores de uma depressão. Outras causas relacionadas aos fatores hormonais (seja no parto, na menopausa, nas alterações da tiroide), ao uso de medicamentos para várias doenças físicas, uso de álcool e cocaína e  ao uso regular de medicações para dormir também podem contribuir para o aparecimento da depressão. Alguns tipos de câncer podem ter os sintomas depressivos como o único sintoma inicial. Além disso, os fatores genéticos, o estresse crônico e a exposição a situações de violência estão envolvidos nas causas da depressão. Portanto, qualquer pessoa que suspeite de depressão, precisa de uma avaliação médica para o seu diagnóstico correto.

Mas, o que o diagnóstico e tratamento de depressão têm a ver com a Economia?
Em Economia da Saúde, usamos o termo custos indiretos àqueles custos que não se relacionam ao  tratamento e aos serviços de saúde. Em geral, os custos indiretos estão relacionados à perda de produtividade no trabalho, mas o suicídio, a morte precoce, perda de anos de educação, o empobrecimento, também entram nesta categoria. Alguns autores se referem a estes custos como “burden econômico”. O termo “burden” foi inicialmente criado para nomear um indicador de saúde que mensurava tanto a mortalidade produzida por uma doença, quando a incapacidade (morbidade) decorrente da mesma. O indicador que avalia o burden é o DALY (Disability Adjustment Life Year). Falarei deste indicador em uma próxima publicação, mas é importante saber que o burden da Depressão recai em várias esferas da saúde do indivíduo, causando maior risco de morte e de incapacidade. A depressão já é uma das principais causas de incapacidade em saúde! As consequências desta incapacidade (morbidade) levam a um grande custo social e econômico.

A depressão produz um “burden econômico” altíssimo para a sociedade: mais de um trilhão de dólares por ano são devidos ao custo por perda de produtividade no trabalho por causa da depressão(Chisholm, 2016). A depressão é uma das principais causas de faltas no trabalho, licenças médicas e baixa produtividade. O ambiente abusivo e insalubre no trabalho favorecem o aparecimento da depressão, embora não sejam os únicos fatores envolvidos. É salutar que o Fórum Econômico em  Davos levante este tema entre os grandes empresários mundiais, porque eles podem ter um papel importante em melhorar o ambiente de trabalho, facilitar o reconhecimento precoce da Depressão, promover a educação e informação no tema e facilitar o acesso ao tratamento adequado.

A mortalidade precoce causada pela depressão representa outro custo relevante para a sociedade.  O custo com suicídio por depressão, nos Estados Unidos, alcançou os 5,4 milhões de dólares no ano de 2000 (Greenbert et al, 2003). O suicídio é uma das principais causas de morte entre pessoas de 15 a 44 anos! Estes custos representam uma importante perda de capital mental para um país, isto é, a perda de pessoas que poderiam estar trabalhando, criando, inovando e transformando o mundo (Razzouk, 2016).

Mas, o burden da Depressão vai muito além destes custos. A depressão no período após o parto afeta 12% dos casos em média e além dos custos relacionados ao tratamento, perda de produtividade e risco de suicídio, a depressão nesta fase tem um impacto ainda maior no desenvolvimento da criança (Centre for Mental Health and London School of Economics, 2014). Este impacto produz um custo três vezes maior do que os custos relacionados com a mãe. Estes custos decorrem do maior risco de morte do bebê, do pior desenvolvimento cognitivo,  dificuldade de aprendizado, e por problemas mentais na vida adulta.

Em adolescentes, a depressão é uma importante causa de absenteísmo na escola, reprovação e abandono escolar (Glide & Pine, 2002). Além disso, a depressão contribui para o uso de drogas e comportamento sexual de risco em adolescentes e adultos jovens. Isto representa não somente um burden para os serviços de saúde e para a saúde pública, mas uma também, uma perda de jovens com boa qualificação educacional!

O tratamento e a prevenção de depressão são muito menos custosos do que todo este burden social e econômico (Razzouk, 2017). Enquanto a agenda mundial se volta para as diretrizes de um desenvolvimento sustentável com cuidados com a mudança climática, com a erradicação da pobreza e criação de cidades sustentáveis, é fundamental cuidar não somente do planeta, mas da saúde mental e o bem-estar dos seres humanos. Só poderemos ter um planeta “sustentável” se a saúde mental for levada a sério! A depressão pode ser tratada a baixo custo para os países, mas com grande retorno para todos nós.
 
Leitura
Centre for Mental Health and London School of Economics, 2014.The costs of perinatal mental health problems. Disponível em http://www.centreformentalhealth.org.uk

Glide & Pine. Consequences and Correlates of Adolescent  Depression. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156(10):1009-1014 Disponível: https://jamanetwork.com/journals/jamapediatrics/fullarticle/203918

Razzouk D. Capital mental, custos indiretos e saúde mental. In: Razzouk D, Lima M, Quirino C, editores. Saúde mental e trabalho. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2016. p. 61-70. Disponivel https://pt.scribd.com/doc/316579975/Saude-Mental-e-Trabalho


Razzouk, D Burden and Indirect costs of mental disorders. In: Razzouk,D Mental Health Economics : The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publisher, Cham, 2017.

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Padrão mínimo de qualidade de assistência à saúde: uma questão de equidade ou de eficiência?

10/1/2018

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As questões relacionadas à cobertura e qualidade dos serviços de saúde são polêmicas e de longa data, mas, foi o prêmio Nobel de Economia, Keneth Arrow, em 1963, quem primeiro demonstrou que a saúde não poderia ser tratada como uma commodity, regida pelas leis de auto-regulação do mercado livre. Seu artigo "Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care" foi um marco no nascimento da Economia de Saúde. A lei da oferta e demanda, na qual o preço de um produto varia com a demanda, se baseia no fato de que o mercado tem um processo de auto-regulação, isto é, há um equilíbrio entre o que o consumidor está disposto a pagar e a que preço ele é operado no mercado.

O argumento de Keneth Arrow era de que havia uma assimetria de informação e uma incerteza nos resultados (desfechos) na área da saúde. A assimetria de informação se refere à parcial ou total ignorância do consumidor em relação ao produto ou serviço, levando a uma relação assimétrica entre o prestador de serviço (tem conhecimento sobre o serviço) e o consumidor. Enfatizava, também, que o consumidor não podia fazer uma escolha racional entre os tratamentos e serviços. No caso da Saúde, o indivíduo não sabe avaliar o tratamento que ele necessita, como e qual o tratamento ele deve receber e nem qual será o desfecho. Este cenário configura o que se chama de falha no mercado, onde a auto-regulação não acontece. Arrow enfatizava que esta assimetria de informação poderia contribuir para que o paciente fosse facilmente “enganado” pelo prestador de serviço.

A escolha de um serviço de saúde ou de um profissional de saúde pelo consumidor é influenciada por vários fatores que não estão, necessariamente, ligados à sua qualidade. Um profissional que esteja nas mídias ou que tenha assistido a uma celebridade pode ser percebido como um profissional de sucesso, sendo este um suposto sinal de qualidade profissional. O conteúdo sobre saúde e tratamento disponível na Internet, independente de sua qualidade técnica, pode ser interpretado como correto levando o consumidor a fazer escolhas incorretas ou que ponham a sua saúde em risco.

A qualidade da relação médico-paciente, também, pode ser determinante na percepção do que é um atendimento de qualidade. A qualidade está ligada a um tratamento empático, humanizado e competente do ponto de vista técnico. Mas, alguns profissionais  podem ser acolhedores e empáticos, sem serem competentes e vice-versa, o que leva a julgamentos distorcidos. Além disso, muitos pacientes têm a expectativa de que o médico solicite vários exames e que prescreva alguma medicação logo na primeira consulta, independente da sua necessidade. Outros preferem profissionais que prometem a cura, ainda que improvável, com intervenções não testadas.  

A estrutura e funcionamento do serviço são, frequentemente, confundidos com indicadores de qualidade de tratamento, tais como recepcionistas gentis, sala de espera confortável com wi-fi, prontidão na marcação de consultas e exames, facilidade de acesso e atendimento. Embora estas características sejam importantes para a boa prestação e agilidade de serviço, elas não definem a qualidade do tratamento.

Os critérios que cada pessoa usa para avaliar a qualidade de tratamento são fortemente ligados ao plano emocional e à expectativa social e cultural, e em geral, desprovidos de algum embasamento técnico e objetivo. Todos estes fatores fazem com que o consumidor (cliente e família) façam escolhas não racionais e que podem ser inadequadas para as suas necessidades. O marketing sabe explorar bem estas lacunas de informações. A assimetria de informação faz com que as pessoas se exponham a riscos ou recebam tratamentos inadequados.
A baixa qualidade de tratamento causa custos altos para a sociedade e para o sistema público de saúde. Estes custos muitas vezes são invisíveis. Por exemplo, o uso excessivo de álcool leva a acidentes automobilísticos e industriais, comportamentos violentos e criminosos, morte, invalidez e um aumento do uso de serviços de saúde, assistência social, além do sofrimento emocional.  
 
A saúde de uma pessoa afeta a saúde de muitas pessoas! É por isso que a saúde é considerada no plano da saúde pública como sendo um bem social e de interesse global para um país. Na maioria dos países, o Estado tem um papel preponderante tanto no financiamento quanto no provimento e regulação dos serviços e tratamentos. Uma pessoa doente sem cobertura a tratamento pode ser levada a gastar mais do que suas condições financeiras permitem porque a saúde é considerada um dos valores mais importantes, seja por estar relacionada à sobrevivência ou ao bem-estar e à qualidade de vida.

Um relatório sobre felicidade demonstrou a correlação entre os índices de felicidade e percepção subjetiva de boa saúde, demonstrando que a saúde (em especial, a saúde mental)(Dolan, 2011) é um fator mais importante do que a renda como determinante do bem-estar de uma população em países de alta renda, mas também ocupa posição de destaque juntamente com a renda em países de baixa renda (World Happiness Report, 2017).

Somada à relevância da saúde como um valor, a Organização Mundial da Saúde tem alertado para os gastos dispendidos por pacientes e familiares, também chamados de gastos catastróficos, os quais têm levado milhões de pessoas para abaixo da linha da pobreza no mundo, reforçando a necessidade da cobertura universal nos serviços públicos de saúde.
 
Com os avanços tecnológicos, a área da Saúde oferece uma gama imensa de tratamentos e opções, onerando provedores de serviços público e privado. O momento atual demanda uma reflexão sobre como um sistema público de saúde deve ser no que se refere a definir critérios mínimos de qualidade de tratamento e de estabelecer o padrão de tratamento mínimo a ser oferecido com cobertura universal. Esta é uma decisão em que toda a sociedade precisa se engajar e não permitir que ela seja delegada, exclusivamente, a um grupo de gestores e a outros setores que tenham conflitos de interesse.
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Além da qualidade, é fundamental definir critérios relevância dos tratamentos.  (Porter, 2010). Muitos tratamentos são considerados custo-efetivos por apresentarem algum benefício a mais do que o tratamento atual, porém a um custo bem mais alto. Pagar por este custo mais alto precisa valer à pena! Não basta o “benefício a mais” ser desejável, ele tem que ser relevante (valor) para a saúde do paciente. Por exemplo, imaginemos dois antidepressivos A e B que melhoram igualmente os sintomas depressivos, porém, o antidepressivo B melhora os sintomas sete dias antes do que o antidepressivo A e custa 20 vezes mais. A primeira indagação é saber se isto é relevante, quantas pessoas precisam da medicação e quantas pessoas deixariam de receber antidepressivos pelos recursos terem sido usados no novo tratamento. Alguns podem argumentar que diminuir sete dias no tratamento é um aumento de qualidade no tratamento. Porém, o que aumenta a qualidade do tratamento é o quanto o paciente tem de ganho em saúde e em qualidade de vida. Estes são os reais indicadores de qualidade, ainda que outros benefícios sejam desejáveis.

A cobertura universal com qualidade de tratamento só é possível a partir de estabelecimento de padrões mínimos de qualidade a serem alcançados com estratégias racionais de uso de recursos e de seleção das intervenções que respondam às necessidades da população. A equidade também depende de um sistema eficiente de saúde. Não se trata de redução e corte de despesas, mas de um direcionamento dos objetivos do sistema de saúde: o que tratar, quem tratar e como tratar. A resultante tem que ser um ganho de saúde e qualidade de vida de uma população e não uma oferta irrefreada e custosa de opções terapêuticas que favoreçam apenas uma parte da população. Não há eficiência de fato sem equidade, nem equidade sem eficiência!

Leitura Complementar

Dolan, P Using Happiness to value health.Office of Health Economics.London, 2011
Porter, M. The value of health. New England  Journal of Medicine 2010. Disponível em http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1011024#t=articlewww.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1011024#t=article

Patel, A. Equity and efficiency. In Razzouk, D. Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care, 2017.

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QUALIDADE X CUSTO DE TRATAMENTO: ESCOLHER O MENOR PREÇO REDUZ CUSTOS?

2/1/2018

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A questão da redução de custos em saúde está na pauta das agendas da maioria dos gestores, principalmente, quando os recursos são escassos e a necessidade de melhorar a eficiência do sistema de saúde se impõe como uma prioridade.

Eficiência do ponto de vista de gestão é entregar melhores resultados a um custo menor. Muitas vezes, a eficiência é entendida como sinônimo de redução de custos. Ou ainda, confunde-se, com frequência, o conceito de custos com o de preço. Reduzir custos não significa escolher o produto com o preço menor!

Vamos, inicialmente, aos dois conceitos. Custo é um conceito que pode ser entendido como a somatória de todos os recursos utilizados para se prover um serviço ou produto. Este é um conceito muitas vezes utilizado do ponto de vista gerencial e administrativo ou até contábil. Porém, em Economia da Saúde, o conceito de custo está ligado a investimento, ou melhor, ao custo de oportunidade. Como já discutido no post de “Saúde não tem preço”, o custo de oportunidade equivale ao benefício que se poderia obter se escolhêssemos outra alternativa para om dado recurso. Por exemplo, diante de uma escolha entre investir em tratar uma depressão com uma medicação A ou B, os benefícios que a droga A poderia produzir seriam “perdidos” se escolhêssemos a droga B. Ou seja, o custo de oportunidade está ligado à escolha de um benefício e de suas consequências.

O conceito de preço está ligado ao valor monetário em que um produto ou serviço é vendido no mercado, ou seja, ao quanto se paga para a obtenção de um medicamento. Se o preço de um produto for determinado apenas por regras do livre mercado (isto é, pela oferta e demanda), o conceito de preço pode se aproximar ao do custo de oportunidade, pois o consumidor decidiria o quanto vale pagar pela medicação baseado no valor dos benefícios e nas consequências. Porém, o mercado da saúde não é regulado pelas leis do livre mercado.

Portanto, quando se pretende aumentar a eficiência na oferta de um tratamento em saúde, é importante focar em pelo menos três elementos: na qualidade (efeito e efetividade do tratamento), no  custo de oportunidade  e no impacto orçamentário. Ou seja, são três perguntas a serem respondidas antes de se fazer uma escolha:

​Quais os benefícios em termos de melhor saúde e qualidade de vida que este tratamento oferece em relação aos outros já existentes?

Quais as consequências (quais são as perdas e quem perde?) em escolher este tratamento?

​É possível pagar por este tratamento? Por quanto tempo e para quantas pessoas?  

Nas compras de produtos nos serviços públicos de saúde, são necessárias licitações, nas quais três orçamentos são apresentados, sendo que a opção com menor preço é a escolhida. Se considerarmos dois produtos idênticos, com preços diferentes, a escolha mais racional é de fato a opção de menor preço (isto é chamado de custo- minimização em Economia da Saúde).
 
Porém, dificilmente duas medicações são idênticas, ainda que tenham efeitos equivalentes (eficácia) para melhorar determinado conjunto de sintomas. Neste caso, escolher um tratamento com menor preço pode acarretar um AUMENTO dos custos, principalmente, o custo de oportunidade. Por exemplo, se a medicação mais barata produzir mais efeitos colaterais ou dificultar a performance do indivíduo no trabalho, ou provocar sonolência diurna favorecendo acidentes, pode haver um aumento de custos, seja por um aumento no uso de serviços (incluindo pronto-socorro), seja por perda de renda do indivíduo (pior performance favorecendo à perda de emprego).

Estudos de custo-efetividade são fundamentais para avaliar o balanço entre os efeitos e os custos entre os medicamentos. Uma medicação antipsicótica que seja eficaz em abolir sintomas de delírio e alucinações e que produza efeitos colaterais de tontura importante pode não ser custo-efetiva quando comparada com outra droga que tenha a mesma eficácia nestes sintomas sem produzir tontura. A droga que produz tontura poderia favorecer quedas e necessidade de tratamento em ponto-socorro, o que acarretaria um maior custo global o tratamento. Portanto, ter a mesma eficácia (obter a mesma melhora do sintoma da doença) não significa que as medicações sejam iguais. Se a droga que não produz tontura tiver o PREÇO mais alto, não significa que o CUSTO do tratamento será maior, pois ela poderá ter custo menor em termos de causar menos agravos ao paciente e menos necessidade de tratamentos de emergência. Este é um exemplo de que custo e preço não são a mesma coisa!
 
Outra grande polêmica é referente à mesma medicação apresentando preços diferentes. Um motivo pode ser devido ao fato da medicação ser droga de referência, genérica ou similar.  Droga de referência é aquela que foi criada ou desenvolvida por um laboratório que tem a patente (exclusividade de venda) por certo período de tempo e será a droga de referência  para ser comparada com os genéricos.

Os genéricos são considerados cópias da droga de referência isto é, devem conter o mesmo princípio ativo, concentração e eficácia e passar por testes que comprovem a sua bioequivalência e biodisponibilidade (mesma composição e funcionamento no corpo), sendo regulamentada pela ANVISA. Estes testes são necessários para a obtenção de um registro e para entrar no mercado. Os similares (medicações com marca) também possuem o mesmo princípio ativo e passam por testes para entrar no mercado, porém, a variabilidade entre as indústrias farmacêuticas podem ocorrer em relação  à qualidade de  sua composição, excipiente e outros atributos.

Se as três categorias de medicações têm o mesmo princípio ativo, a única diferença é o PREÇO? Em teoria, SIM. Na prática, NÃO. Muitos fatores podem interferir na efetividade destas medicações: o método usado para provar a sua eficácia, a manutenção das características e qualidade da medicação após a obtenção do registro, periodicidade e rigor da fiscalização da droga no mercado, dentre outros.

Não são raras as notícias na mídia apontando para a efetividade diferente entre a medicação de referência, genéricos e similares. A maioria dos médicos já teve pelo menos uma experiência com o uso de uma medicação de diferentes laboratórios resultando em piora ou melhora dos sintomas com a mesma dose. São comuns os relatos com antipsicóticos, antidepressivos, carbonato de lítio em que pacientes estabilizados com uma determinada dose recaem de seus sintomas depois de usarem a mesma medicação fabricada por outro laboratório. Estudos que comparem o custo-efetividade entre genéricos, similares e referências são necessários no Brasil, não apenas na fase de obtenção de registro.

Além da questão do custo e da efetividade destas medicações, o preço também varia bastante. Recentemente, em um artigo de revisão sobre os preços de aquisição de antipsicóticos listados no Bando de Preços do Ministério da Saúde, constatei variações para o mesmo antipsicótico de até 25.600 vezes em comparação ao menor valor!
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Portanto, o PREÇO da medicação é importante no que tange a evitar desperdício de recursos, porém, não pode ser o único elemento a ser considerado. 
 
Leitura complementar

Razzouk, D Cost variation of antipsychotics in the public health system in Brazil: the implication for health resource use / A variação de custos de antipsicóticos no sistema público de saúde do Brasil: as implicações para o uso de recursos J. bras. econ. saúde;9 (Suplemento 1):  http://www.jbes.com.br/images/v9ns1/49.pdf, Setembro/2017.

Solanki, T Switching to generics: always a cost-effective option?. Prescriber, 2008:  http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/psb.274/pdf


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Equidade: Saúde para todos?

13/12/2017

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Equidade é um termo usado em contextos diversos e com significados conflitantes dependendo da definição adotada. Em Economia da Saúde, o termo Equidade se refere à distribuição “justa” dos recursos. Embora o foco da Economia da Saúde seja na eficiência (Patel, 2017) -- como melhor usar os recursos para obter os melhores resultados --- a distribuição dos recursos está intimamente ligada a dois princípios básicos: o da justiça social e o da ética.

Não é possível distribuir a saúde em si, mas, é possível distribuir os recursos de saúde (serviços e tratamentos). A distribuição dos recursos pode ser igualitária ou não. O igualitarismo se refere ao direito de acesso ao serviço de saúde para todas as pessoas independente de sua renda ou condição. 

Embora o acesso ao serviço possa ser igualitário e universal, a distribuição dos recursos em saúde (serviços e tratamentos) não é igualitária, pois as pessoas têm necessidades diferentes de cuidados de saúde, isto é, algumas pessoas necessitam de mais recursos do que outras para recuperar a saúde ou minimizar os agravos de uma doença.

Neste contexto, o conceito de Equidade engloba algumas possibilidades de distribuição desses recursos. A equidade horizontal, que é o provimento do mesmo tratamento para todos que apresentarem a mesma doença e a equidade vertical que é o provimento do tratamento para um grupo de maior risco ao agravo ou de maior gravidade de doença. Além disso, há o conceito de equidade, definida por John Rawl, que prioriza os recursos de saúde para aqueles indivíduos de menor renda em detrimento daqueles com maior renda.
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Cada definição de Equidade tem consequências diferentes para a alocação de recursos e para o acesso ao serviço de saúde. Se os recursos forem destinados, preferencialmente, para um grupo de pessoas com doença mais grave (em geral, mais custosas), provavelmente, os programas de prevenção de doenças receberão menos recursos, o que significa prevenir um número menor de pessoas com doenças potencialmente graves no futuro.

Por outro lado, se a distribuição dos recursos for para as doenças mais prevalentes ou para condições de baixa complexidade, um grupo de pessoas com doenças mais raras e mais graves não receberá tratamento suficiente, e, possivelmente, a mortalidade aumentará neste grupo.

Seja qual for a  definição de equidade adotada, haverá sempre o custo de oportunidade, ou seja, sempre haverá um grupo de pessoas que não receberá todo o tratamento necessário. O não recebimento de tratamento implica em uma questão ética (Chisholm, 1998). Se há um tratamento eficaz disponível e que pode salvar uma vida ou minimizar o sofrimento causado por uma doença, os princípios da Ética garantem que as pessoas que necessitem deste tratamento sejam atendidas. Ou seja, o princípio ético é igualitário em sua essência, no sentido de resguardar a vida independentemente do quanto uma pessoa precisa. Por exemplo, se uma pessoa for atropelada na frente de um hospital privado, este deverá dar assistência de urgência “gratuita” até que esta pessoa possa ser transferida para outro local público ou conveniado. Ou seja, na Ética em Saúde, a prioridade é a vida e a minimização do sofrimento.

Na Economia da Saúde, a prioridade é a eficiência, isto é, a otimização de recursos de modo a produzir o máximo de benefícios e evitar desperdícios. A primeira consequência é que no caso da eficiência, aqueles tratamentos que produzirem melhores resultados terão supremacia em relação a aqueles tratamentos que produzam menos benefícios, ou seja, algumas pessoas não receberão tratamentos que possam produzir algum efeito benéfico. Por exemplo, um antibiótico que é capaz de curar um quadro de pneumonia pode ser classificado como superior em produzir benefícios do que um antipsicótico que alivia os sintomas da Esquizofrenia. A consequência seria que as pessoas com pneumonia receberiam mais tratamento do que as pessoas com Esquizofrenia, contribuindo para menos equidade e maior desigualdade na distribuição de recursos em Saúde. 

Em resumo, a distribuição dos recursos da saúde tende a ser direcionada para atender três prioridades da Eficiência, a Equidade e Ética (Patel, 2017): melhor resultado, melhor distribuição e preservação da vida. O modo como as políticas públicas de saúde direcionam as suas prioridades determinam como os recursos serão gastos e oferecidos à população. O que quero ressaltar é que atrás destas prioridades estão os valores da sociedade e de como estes valores influenciam as políticas públicas e as tomadas de decisão. Voltaremos a este tópico em breve.



Leitura complementar
 Chisholm, D. Economics and ethics in mental health care: traditions and trade-offs.J Ment Health Policy Econ. 1998 Jul 1;1(2):55-62.

Culyer, A. Social values in health and social care.


Patel, A. Equity and Efficiency.In: Razzouk,D Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International Publishing. 2017. DOI 10.1007/978-3-319-55266-8_8

Edwards,RT. Economic evaluation and society's health values. BMJ. 2005 Feb 5; 330(7486): 311. doi:  10.1136/bmj.330.7486.311-a

Coast, J  I
s economic evaluation in touch with society's health values? BMJ 2004;329:1233

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Custo-Benefício de novos tratamentos: Novos medicamentos são melhores do que os antigos?

20/11/2017

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​Todos os dias novas medicações e tratamentos são lançados no mercado e com elas, a esperança de cura de doenças complexas se renova. Quem já teve a oportunidade de ler os estudos publicados pelas indústrias farmacêuticas sempre encontra resultados promissores em suas análises e, em geral, concluem que seu medicamento é mais custo-efetivo do que os demais!

A partir daí, pacientes e médicos seguem, frenéticamente, para testar estes novos tratamentos. É interessante observar o entusiasmo de alguns médicos que relatam, felizes, a melhora instantânea de seus pacientes nas primeiras semanas de uso, porém, quando aparece um novo tratamento, eles desprezam esta medicação e rumam para a próxima novidade, como se fosse uma nova versão de um iphone. Muitas medicações chegam ao mercado com poucas ou insuficientes testagems, e somente após alguns anos é que nos deparamos com os efeitos negativos e deletérios de algumas medicações. Quem ler uma bula, verá a infindável lista de efeitos colaterais e de uma frase adicional: "este medicamento é novo e efeitos colaterais desconhecidos podem ocorrer". 

Com a Internet, muitos pacientes se sentem seduzidos pelos novos tratamentos, sem ao menos ter noção se o efeito prometido é real. Chegam aos consultórios solicitando a nova medicação sem saber se esta é adequada para o seu caso.  A mais recente comoção pública foi com o episódio da fosfoetanolamina, aprovada para venda pela presidente à revelia das recomendações científicas. Posteriormente, ficou provada a sua ineficácia no câncer e mesmo assim, ela foi liberada para venda como suplemento nutricional. Muitas pessoas ficaram furiosas com a demora em comercializar tal medicamento e muitas queriam que ela fosse fornecida pelo SUS. 

No meio de tanta discussão acirrada e de tanto desconhecimento, a tomada de decisão de incluir tal medicação ignorou dados técnicos importantes: eficácia, segurança, custo-efetividade e custo-benefício, custo de oportunidade e equidade. Muitos nomes complicados, mas, vamos entender cada um deles.

O termo eficácia significa que a medicação é capaz de produz o efeito esperado e de que seu efeito é maior do que o de um placebo ou do que não fazer nada. Ou seja, o primeiro passo quando testamos uma medicação é saber se ela realmente é capaz de produzir um determinado efeito.  O segundo passo é saber se a medicação é segura, isto é, não causa danos maiores à saúde e à vida das pessoas. O outro passo é saber em quem e em que situações esta medicação funciona.

A última fase é comparar esta medicação com as já existentes no mercado para sabermos se seu efeito é melhor, igual ou pior. É nesta fase que testamos o custo-efetividade, isto é, comparamos os efeitos de duas medicações e de seus custos. Vamos imaginar duas medicações para abaixar a febre (uma nova e outra antiga). As duas conseguem abaixar a febre igualmente, porém, a medicação nova baixa a febre 3 minutos mais rápido do que a medicação antiga. Porém, o seu custo é três vezes maior do que a medicação antiga (R$90,00 x R$30,00). Para sabermos se ela é custo efetiva teremos que ver a diferença entre os custos (R$90,00- R$30,00= R$60,00) e a diferença do tempo de ação (3 minutos). O cálculo de custo efetividade se dá pela dividão entre a diferença dos custos e dos efeitos: 

CE= R$60,00/ 3 minutos  = R$20,00/minuto

Então, a medicação nova será custo efetiva se você estiver disposto (a) a pagar R$20,00 a mais para cada minuto que ela baixa a febre mais rápido do que a outra.

Vale à pena pagar R$20,00 a mais por minuto? A resposta é depende da relevância, da necessidade e possibilidade de pagar por esse efeito adicional. 

Uma medicação nova pode ser igualmente eficaz, mas ser muito custosa. E para se pagar mais é necessário saber em que a droga nova é melhor e se vale à pena pagar por este efeito. Também, precisamos saber de seus danos (custos), por exemplo, uma medicação inibe os sintomas psicóticos mas provoca obesidade e diabetes. 

O valor e relevância do efeito da medicação pode ser medido de várias maneiras. No custo-benefício este "valor" é medido em unidades monetárias (R$) enquanto no custo-utilidade este valor é medido em quantidade e qualidade de vida (QALY). Voltaremos a estes conceitos em posts futuros.

Mesmo que um efeito seja relevante é necessário verificar as consequências da aquisição de uma nova medicação no sistema público de saúde e de quantas pessoas podem se beneficiar e se é compatível com o orçamento. Por exemplo, imaginando que uma medicação para câncer prolongue em 4 meses a vida de uma pessoa em estágio terminal, o montante de recursos destinados para aumentar 4 meses de vida deixariam de ser usado para salvar a vida de outras. É uma decisão difícil. Mas, é necessário avaliar o custo de oportunidade, a equidade e o impacto orçamentário. Falaremos disso, em breve.






Referências

Razzouk, D. Why there needs to be some consideration of health economics in clinical decision making: The views of a clinician https://nwww.findeconjobs.com/pages/8130-why-there-needs-to-be-some-consideration-of-health-economics-in-clinical-decision-making-the-views-of-a-clinician


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O CUSTO DA INDIFERENÇA: A DOENÇA MENTAL NÃO ME ATINGE!

13/11/2017

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No último post, falei sobre o conceito de custo de oportunidade, isto é, o quanto nos custa cada decisão e escolha. Hoje, quero discutir o quanto nos custa ignorar a doença mental. Em outras palavras, eu me refiro aos efeitos invisíveis da doença mental para toda a sociedade, com particular ênfase à resistência em investir no tratamento, prevenção e cuidado das pessoas com doença mental e de suas respectivas famílias.  Esta resistência está presente em todos os setores da sociedade: o ESTIGMA contra qualquer pessoa que tenha um diagnóstico de doença mental!

Muitas pessoas acham que a doença mental só acontece nos outros, e de preferência, em alguém desconhecido de seu meio de relacionamento. Outras acreditam que tudo é um problema passageiro pela rotina difícil ou ainda, que algumas pessoas têm a “cabeça fraca”, ou seja, depende da vontade do indivíduo em superar os problemas. Poderia ficar listando centenas de outras concepções sobre as doenças mentais, mas, o que quero destacar aqui é o quanto a ignorância sobre este tema, juntamente com o estigma favorecem para que os efeitos negativos de uma doença mental sejam ainda maiores para toda a sociedade.
 
A doença mental custa para o mundo vários trilhões de dólares por ano! E a maior parte deste custo não se deve ao tratamento, mas ao que chamamos de externalidades (negativas, neste caso) e de custos indiretos (os custos que não são ligados ao tratamento e aos serviços de saúde)!

Vamos entender, primeiro, o conceito de externalidade. Se uma pessoa contrai uma infecção que seja transmitida por via respiratória (“pelo ar”) e usa um transporte público, ela poderá infectar outras pessoas. Se esta pessoa se trata ou usa, por exemplo, uma máscara na face, ela evita que outras pessoas se infectem. Se ela não se tratar e infectar outras pessoas, temos uma externalidade negativa (“spillover effect” um efeito que recai em terceiros, sem a participação deste). Se a pessoa se tratar e evitar que outras pessoas contraiam a infecção, temos uma externalidade positiva, ou seja, as outras pessoas vão se beneficiar pelo fato de uma única pessoa se tratar. No caso das infecções, é muito fácil entender este conceito. Quando o Estado provê vacinas para a população, ele evita uma externalidade negativa e, também, diminui o custo de oportunidade (se não vacinar, muitas pessoas podem morrer de infecção e isto seria um custo alto para toda a sociedade).
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Portanto, quando decidimos não investir no tratamento e prevenção de doenças mentais, temos um alto custo de oportunidade, isto é, as doenças mentais causam tantas externalidades negativas, que o custo de não tratá-las supera o custo do tratamento. Vamos aos dados.

A depressão, por exemplo, constitui atualmente uma das principais causas de absenteísmo (falta no trabalho) e de auxílio doença (afastamento do trabalho). No Brasil, a depressão já é a terceira causa de afastamento do trabalho (Veja o artigo Por que o Brasil deveria priorizar o tratamento da depressão?).

Então, quando alguém fica deprimido, seu raciocínio e pensamentos ficam lentos, sua memória falha, sua concentração falha e o seu desempenho em suas atividades habituais fica pior. Além disso, a pessoa fica desmotivada, desinteressada pelas pessoas ao seu redor, pelo seu trabalho e mesmo, pelas suas atividades de lazer. A sua saúde física piora, pois alimenta-se mal, dorme pouco, fica inativo e chega a pensar em suicídio. Quem sofre com isso? O indivíduo? Com certeza! Mas, também, a família, os colegas de trabalho ou da escola (se for o caso), a empresa em que trabalha e o país (em caso de auxílio-doença, aposentadoria precoce ou de morte precoce).

Portanto, uma das externalidades negativas da depressão é a improdutividade no trabalho (veja no livro gratuito Saúde Mental e trabalho, editado pelo CREMESP). Mas, uma mãe com depressão pode ter dificuldades para cuidar de seu bebê, e este vai ter problemas em seu desenvolvimento físico e mental pelo menos nos primeiros três anos de vida! Pesquisas recentes mostram que uma criança quando privada de alimentação e estímulos cognitivos adequados não vai atingir o máximo de potencialidades mesmo que após este período se forneça alimentação adequada para suprir esses prejuízos. Ou seja, a depressão pode prejudicar, não apenas o presente, mas, o futuro de uma criança. Então, a doença da mãe produziria uma externalidade negativa na vida da criança.
 
Onde está a indiferença? A maior parte da indiferença está nas políticas públicas de saúde em não reconhecer a saúde mental como uma prioridade, ou melhor, em não investir de fato para tratar e prevenir as doenças mentais. As políticas públicas de saúde, mundialmente, focam na saúde da mãe e no índice de mortalidade infantil, mas, em geral, não priorizam as doenças mentais. O foco, em geral, se concentra na saúde reprodutora, no combate às infecções e traumas de parto, no controle da desnutrição. Porém, a violência, o alcoolismo, o uso precoce de drogas, a ansiedade e depressão, tanto das crianças como daqueles que as cercam impactam a vida de gerações. Este impacto é invisível aos olhos da sociedade!
 
Nem tudo é óbvio quando se trata de doença mental! Seus efeitos são invisíveis e duradouros. Quando ocorre um acidente, um desastre natural, uma guerra ou qualquer evento traumático, teremos efeitos na saúde mental de uma ou mais gerações. Os efeitos são crônicos e nem sempre aparecem imediatamente após os eventos. Podem levar meses, anos e décadas.

As doenças mentais podem levar ao empobrecimento do indivíduo ou da família por perda de renda, por dificuldade em se manter ou conseguir um emprego. Também aumentam a chance de morrer por acidente, uso de drogas ou álcool, suicídio e por outras doenças físicas.

Infelizmente, apesar de todos estes efeitos nocivos das doenças mentais, a sociedade, ainda, se esquiva em enfrentar este tema. É como se isto estivesse distante, que só ocorresse com os outros, ou como se não existisse. A indiferença não está apenas no Estado, está nas pessoas, também.

Um estudo realizado por Smith e equipe mostou que pessoas do público geral reconheciam que as doenças mentais causavam um maior impacto negativo do que as doenças físicas, mas, elas preferiam que os recursos públicos de saúde fossem destinados 40% mais para a saúde física do que para a saúde mental!

O Prof Thornicroft, do King´s College, um grande líder em saúde mental e estigma,  mostrou que a maioria das empresários entrevistados referia que não existiam pessoas com doenças mentais em suas corporações ou que esta taxa seria insignificante. Ele aponta que o comportamento de discriminação e estigma se originam da ignorância! Ao contrário do que pensavam os empresários do estudo, a frequência de doenças mentais nas empresas pode ser maior do que 20-30 % dos funcionários,  como tem sido mostrado em vários estudos internacionais.

Muitas vezes, estas pessoas perdem emprego, são rejeitadas ou sofrem bullying porque não são bem aceitas no ambiente ocupacional. Então, o estigma, também, prejudica a inclusão destas pessoas no trabalho e na vida em sociedade.

A grande questão é: o que fazer em relação às doenças mentais?

A primeira etapa é reconhecer que as doenças mentais existem da mesma forma que existem doenças físicas e de que não é uma vergonha ter uma doença mental. O maior desafio é, sem dúvida, combater este estigma. A mesma seriedade e cuidados que se têm para tratar e evitar um infarto cardíaco têm que ser destinados para cuidar das pessoas com doenças mentais ou com risco de adoecimento.

A outra etapa essencial é a questão do investimento público e privado na prevenção e tratamento das doenças mentais. Na maioria dos países, como no Brasil, não há um orçamento específico destinado para a saúde mental. Isto dificulta muito o planejamento e a transparência nas ações necessárias de cuidados. Muito países de baixa e média renda destinam menos de 2% do orçamento da saúde para a saúde mental, apesar das doenças mentais afetarem 1 pessoa em cada 4!
 
Além do investimento, é essencial estabelecer prioridades, metas e avaliações da qualidade de tratamento em saúde mental para uma política pública de saúde eficiente.

A boa notícia é de que há meios de prevenir os riscos para doença mental e há tratamentos eficazes para a maioria das doenças mentais. Então, é possível, com o tratamento,  que a pessoa se recupere e tenha uma boa qualidade de vida e com capacidade de ser produtiva e de participar ativamente na sociedade. Ou seja, a prevenção e o tratamento transformam uma externalidade negaativa em positiva!
 



Quem tiver interesse na leitura  no tema:


Smith DM, Damschroder LJ, Kim SY, Ubel PA. What’s it worth? Public willingness to pay to avoid mental illnesses compared with general medical illnesses. Psychiatr Serv. 2012;63(4):319–24. See also: http://sb.cc.stonybrook.edu/news/general/040512MentalIllness.php
 
Thornicroft, G. https://www.kcl.ac.uk/ioppn/depts/hspr/research/ciemh/cmh/research-projects/sapphire/graham-thornicroft.aspx
 
Razzouk, D Burden and indirect costs of mental disorders. – Chapter 25. In: Razzouk, D (eds)  Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International  Publisher, 2017 (http://www.springer.com/br/book/9783319552651)
 
 
Romeo R et al The economic impact of mental health stigma. – Chapter 27  In: Razzouk, D (eds)  Mental Health Economics: The costs and benefits of psychiatric care. Springer International  Publisher, 2017 (http://www.springer.com/br/book/9783319552651)
 
Razzouk, D; Cordeiro, Q; Aranha,M. Saúde mental e trabalho. Cremesp, 2016. Dowload: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes&cod_publicacao=79

Razzouk, D Por que o Brazil deveria priorizar o tratamento para a Depressão? Epidemiologia e Serviços de Saúde, 2016 Download: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-96222016000400845
 
 

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Saúde não tem preço!

23/10/2017

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Hoje eu gostaria de abordar o tema sobre o financiamento público da saúde. Frequentemente, escutamos de gestores, pacientes, profissionais de saúde e de vários setores da sociedade que a Saúde não tem preço! Mas, o que significa esta frase?

Dentre aqueles que usam este argumento para justificar que o sistema público de saúde deva financiar qualquer tratamento, existe uma crença de que o valor da Saúde é imensurável, pois  a Saúde é o bem mais valioso e substancial para a nossa sobrevivência.  Com base neste raciocício de que a Saúde é um bem de grande valor para o indivíduo e para a sociedade como um todo, seria lícito afirmar que uma boa parte dos recursos que um país possui deva ser alocada para prover a saúde dos cidadãos. De fato, a maioria dos países entende que o Estado tem um papel importante na saúde dos cidadãos, porém, a forma e o quanto de recursos que cada país aloca para cuidar da saúde de seus cidadãos varia bastante.

De modo geral, a oferta de um serviço de saúde depende de  pelo menos de três elementos: dos recursos disponíveis, da distribuição destes recursos e do uso destes recursos de acordo com a necessidade do paciente. Quanto mais um país produz riquezas (quanto maior o PIB), maior será a porção de recursos que ele poderá destinar à saúde. Mas, a quantidade de recursos de um país é finita, isto é, tem sempre um limite. O que pode variar entre um país e outro é a proporção dos recursos totais destinado à Saúde. Esta proporção depende do quanto a Saúde é valorizada pelos seus cidadãos. Ou seja, se uma nação prefere alocar mais recursos para a Saúde ou para outras áreas, como por exemplo, a Educação, Segurança e Transporte.  Porém, mesmo que a saúde tenha um valor infinito, na prática, nenhum país gasta 100% de seus recursos para prover serviços de saúde. Portanto, independentemente do valor agregado da saúde, sempre haverá um limite no uso de recursos para tal.

Este limite é definido pela escassez de recursos de um lado e  pelo valor infinito da Saúde de outro. Como, então, definir o quanto usar de recursos para cuidar da saúde dos cidadãos? É neste momento que todo gestor se depara com um grande desafio: a tomada de decisão de como distribuir os recursos da Saúde. Qualquer decisão que favoreça um tratamento implicará na desistência de outro tratamento. Sim, uma escolha é necessária! E toda escolha engloba uma desistência e uma perda, o que chamamos em Economia, de custo de oportunidade.  Mas, o que isso significa? A Constituição não garante que todos somos iguais e temos o mesmo direito de acesso aos cuidados de Saúde?

Para facilitar a compreensão, vamos imaginar um orçamento  anual de 125 bilhões de reais destinado ` a Saúde com três grandes categorias para o uso de recursos.  Uma parte deste orçamento seria para manter os serviços de saúde em funcionamento, uma parte seria investida em novos serviços e tecnologias e uma parte seria para pagamento de ações judiciais.  Hipoteticamente,  imaginemos que um novo medicamento para a cura do câncer (meio milhão de casos novos por ano) custe  R$ 170 mil reais por pacote de tratamento, e imaginando que todos os pacientes novos recebessem este tratamento, isto  representaria R$ 85 bilhões por ano para a cobertura de tratamento de  meio milhão de pessoas, ou seja 68% do orçamento da saúde para tratar  0,02% da população. Imaginando que no mesmo ano houvesse uma epidemia de uma infecção altamente letal que atingisse 25 milhões de crianças e que o tratamento pudesse evitar a morte de 50% destas a um custo de R$ 12000,00 por criança, este valor representaria  R$87,5 bilhões para tratar 6% da população. Para piorar o cenário, imagine que 15% do orçamento da Saúde  (R$18,7 bilhões) fossem, obrigatoriamente, para pagar as medicações estabelecidas em processos judiciais (judicialização) para o tratamento de um milhão de pessoas (0.5% da população). Ou seja, seriam necessários R$190 bilhões para tratar 14 milhões de pessoas (menos de 10% da população) e o restante da população não receberia nenhum financiamento para cuidados com a saúde.

Então, uma decisão precisaria ser tomada para definir quantas pessoas receberiam o tratamento para câncer, quantas crianças seriam salvas com o tratamento e quantas pessoas continuariam com o seu tratamento atual. Portanto, trata-se de um problema de distribuição de recursos, de equidade, ou seja, o de garantir que todos os cidadãos tenham acesso aos cuidados de Saúde. A decisão em favor de um grupo de pessoas pode por em risco a saúde de milhões de pessoas que tem o mesmo direito e necessidade de serem cuidadas.

Portanto, a Saúde, realmente, não tem preço por que não é uma commodity e ninguém pode comprar a Saúde. Pode, apenas, atribuir-lhe um valor.  Mas, o acesso ao serviço de saúde tem um custo que é o consumo dos recursos disponíveis e, também, há um custo embutido, que é o de não prover cuidados de saúde para muitas pessoas.  

Então, é preciso que nós enquanto cidadãos tomemos uma decisão: queremos pagar mais tributos, por que atribuímos um maior valor à Saúde e uma maior proporção de recursos deve ser a ela destinada?  Ou pelo contrário, preferimos usar os recursos atuais, garantindo a universalidade, isto é, o acesso gratuito a todos os cidadãos e neste caso, aceitaremos restrições na quantidade e tipo de tratamento oferecido? Ou ainda, daremos preferência para  garantir a equidade, ou seja, a introdução de novos tratamentos mais custosos só seria aceita quando todos tiverem acesso ao tratamento básico e adequado  para as doenças mais frequentes? Estabeleceremos prioridades? Cuidaremos melhor dos recursos?

Não há respostas certas! Toda sociedade defende um conjunto de valores e tem preferências distintas. Qualquer decisão tem consequências boas e ruins. Só não é possível garantir tudo para todos! Não há nenhum país no mundo que tenha conseguido fazê-lo. Simplesmente por que as necessidades sempre serão maiores do que os recursos disponíveis.

Hoje falamos sobre custo de oportunidade e valor da saúde. Em breve, abordaremos melhor o tema da Equidade. 


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    Prof Dra Denise Razzouk

    Psiquiatra e professora universitária, com pós-doutorado em Economia da Saúde Mental. 

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